O Boi da Manta da Rua Dom Viçoso

22/02/2020 às 11h28

Em meado dos anos 60, na cidade de Mariana em Minas Gerais, a maior atração do Carnaval era o Zé Pereira. A criançada ficava eufórica um mês antes da  festa, só pensado nos Catitões do Zé Pereira e o Boi da Manta, que vinha a frente do bloco dando chifradas em todos. Correr na frente do Boi da Manta ao lado do toureiro era uma das brincadeiras mais divertidas das crianças durante o Carnaval.

Tico, Careca, Tião, Edu e a turma da Rua Dom Viçoso, onde o Zé Pereira desfilava, sempre estavam prontos para sair correndo na frente do Boi da Manta no Carnaval.  

As conversas dos meninos, nas semanas antes do Carnaval, giravam em quais seriam os malabarismos que iriam fazer na frente do Boi da Manta: Careca dizia que ira fazer cambalhotas, Tico que ira passar a mão na cara do Boi, outro dizia que iria dançar perto dos chifres do Boi bravo, Edu dizia que iria puxar o rabo do Boi...E assim a meninada  esperava ansiosamente a chegada do carnaval.

Faltando uma semana para o Carnaval, os meninos estavam sentados na porta da casa de Dona Erna Antunes, mãe de Tico.

 Dona Erna, como era carinhosamente chamada, era pintora, escultura e uma artista muito importante. Foi a idealizadora do primeiro festival de Inverno de Mariana e Ouro Preto de 1965, o primeiro do Brasil.

Naquele dia, ela parou perto dos  meninos  e disse:

-Tenho uma  notícia triste para vocês.

- Pode falar mãe, não vai ter broa de fubá  feita pela Olivia, mãe do Careca. -   Disse Tico com uma cara de tristeza.

- Não, é pior. Este ano o Zé Pereira não vai sair no Carnaval.

A notícia foi um balde de água fria na criançada.

Tião falou em um tom de revolta

-Como que o Zé Pereira não vai sair?

-Quem não vai deixar o Boi da Manta sair? -Retrucou Edu

Tico Perguntou

- Não vai ter Carnaval?

A confusão estava formada, os meninos começaram a falar ao mesmo tempo e querendo saber os motivos do Zé Pereira não sair.

 

Dona Erna não soube responder, disse que havia escutado esta conversa na Loja Casa Modelo  na rua Direita.

Então, os meninos começaram a pensar quem poderia ter feito isto com o Carnaval e com o Zé Pereira.

- Será que é o Prefeito João Sampaio que não deixou? - Perguntou Tico

- Eu acho que foi Bispo Dom Oscar, pois na missa ele disse que este Carnaval não é coisa de Deus. - Careca retrucou

Eu acho que o Zé Pereira vai fazer a festa de Carnaval em outra cidade, acho que eles vão para Belo Horizonte . Disse Tião.

Tristes e desolados cada um foi para sua casa, matutando a notícia triste.

No outro dia, sentados perto do chafariz da Rua Barão de Camargos, Tico, Careca, Domingos e Edu tiveram uma idéia brilhante:  fazer um Boi da Manta para eles, já que não tinham o Boi da Manta e nem o Zé Pereira no Carnaval resolveram construir seu próprio boi. Assim, reuniram a turma toda e disseram:

-Vamos fazer um Boi da Manta para gente brincar no Carnaval.

Tico disse que a mãe dele poderia emprestar umas tintas e pinceis. Careca já estava pensando onde poderia arrumar um pano para fazer o pelo do boi.

Tico disse:

- Lá em casa tem um tapete de sisal que está muito velho, ele parece pele de boi.

Domingos, Tião e Edu combinaram de buscar algumas ripas de madeira para fazer a armação do corpo do Boi.

E assim, as crianças começaram maquinar um plano para fazer um belo Boi da Manta.

Durante a semana cada um começou arrumar as coisas para a construção do Boi. No sábado de Carnaval pela manhã, como combinado, a turma reuniu no quintal da casa de Tico para fazer o Boi.

Com a madeira foi feito armação do corpo  do boi e o tapete de sisal , que era bem grande, teve que ser c cortado para fazer o pelo do animal, mas faltou a cabeça.

Tico e Careca foram correndo até a loja senhor Sr Badi Mansur e pediram a ele uma caixa de madeira. Serram a caixa no formato de uma cara de Boi, depois pintaram a com tinta preta. Para os olhos foi usado um pedaço de plástico branco, recordado em forma de olho e colado por Tião. Os chifres, por sua vez, eram verdadeiros, Edu trouxe da de sua casa. Amarraram a cabeça no corpo de ripas de madeira, colocaram o tapete de sisal com uma abertura na parte debaixo para uma pessoa entrar. Domingos foi o escolhido para ficar debaixo do Boi, pois era o mais forte da turma e conseguiria carregar mais tempo o Boi.

 

Todos ficaram muito felizes com o resultado.

- Agora temos um Boi da Manta . Disse Tico.

Careca Retrucou:

- Ainda não temos um Boi - Retrucou Careca.

- Não ta vendo o Boi, Careca? – Disseram Tico e Tião

Com uma cara de risonha, ele tirou de uma sacola um pedaço de corda de bacalhau com a ponta desfiada, mostrando para os colegas de disse:

- Boi sem rabo não é Boi!

Todos riram, colocaram o rabo de corda de bacalhau no Boi.  Domingos entrou debaixo do boi e testou se estava bom.  Depois e alguns pulos, solavancos e corridas, Domingos disse:

- O Boi passou no teste.

Na empolgação do momento, Tico pediu a mãe dele cesto de palha bem grande estava no quintal para fazer um boneco para acompanhar o boi.  Dona Erna  ajudou a fazer um grande boneco com armação de bambu e pano de chita . Além de pintar o rosto do boneco ”Catitão do Zé Pereira”.

Tico pegou um pedaço de papelão, que tinha sobrado da caixa e escreveu RUA DO DOM VIÇOSO CARNAVAL. Pregou a placa improvisada em um cabo de vassoura para ser o estandarte do Bloco do Boi da Manta.

-Agora o podemos sair pelas ruas-, disse Tico

Alguns dos meninos pegaram umas latas para fazer um batuque do Boi. Domingos posicionou o boi a frete da batucada, Tico levou a placa do bloco, e todos saíram cantando e dançando pela rua.

Domingos estava fazendo muito bem seu papel debaixo do Boi, correndo, dando chifradas e pulando para frente e para trás. Edu usou sua camiseta vermelha e saiu toreando o boi.

Outras crianças também entram na brincadeira, as pessoas apareceram nas janelas e nas portas das casas para saber que barulho era aquele.  Muita gente entrou na brincadeira.

Quando o bloco do Boi da Manta chegou ao Jardim (Praça Gomes Freire), a Banda União XV de Novembro XV estava fazendo uma retreta. O Maestro da Banda, Aníbal Walter, vendo toda aquela alegria ordenou a seus músicos que acompanhassem o bloco tocando Marchinhas de Carnaval.

A Festa foi completa: Boi da Manta e Banda de Música.

O Bloco deu várias voltas na praça, todos brincaram na frente do Boi da Manta e cantaram as marchinhas ao som da União XV de Novembro.

Foi um desfile, realmente, inesquecível.

Texto : Prof. Cristiano Casimiro - Baseado nas memórias de Mario Lohrer Antunes (Tico). Foto: arquivo pessoal Mario Lohrer Antunes

Agradecimento : Thalia Gonçalves


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