CLAUDIO; NOSSO *ÁRCADE MARIANENSE

04/07/2019 às 15h44

                                                                                                                         

     Para dar foco ao tempo e ao espaço, lembremo-nos que a nossa belíssima literatura brasileira foi sempre objeto de especiais estudos de literatos como  Afrânio Peixoto, Afrânio Coutinho, Alceu Amoroso Lima (Tristão de Athaide) , José Veríssimo, Ronald de Carvalho, Silvio Romero, Alpheu Tersariol, Luciana Stegagno Picchio, Manuel Bandeira e de muitos outros ilustres mestres, que ainda hoje dão continuidade aos  exames da eloqüência de nossas letras. 

      Para aqui dar destaque do lugar do nosso “Árcade Marianense” ou “Árcade Ultramarino” no vasto e sonoro universo literário do arcadismo brasileiro, mostramos primeiro abaixo cronologia compacta, para depois então falarmos sobre Claudio.

       Há dois grandes espaços temporais em nossas letras: A IDADE MODERNA, com suas fases seculares, gêneros literários e os mais destacados vultos e: A IDADE CONTEMPORÂNEA, onde aqui daremos tão somente a simples  sequência dos gêneros literários.   

IDADE MODERNA - 1453-1789

QUINHENTISMO - VIAJANTES E  CATEQUISTAS: PERO VAZ   DE CAMINHA -  PERO LOPES DE SOUZA – PERO MAGALHÃES  GÀNDARO - GABRIEL SOARES DE SOUZA – PE. MANOEL DA NÓBREGA – PE JOSÉ DE ANCHIETA  - PE. FERNÃO CARDIM - BENTO TEIXEIRA PINTO. 

SEISCENTISMO  -POETAS BARROCOS: FREI VICENTE DO SALVADOR – MANUEL BOTELHO DE OLIVEIRA - GREGÓRIO DE MATOS E SEU IRMÃO  EUSÉBIO DE MATOS – SEBASTIÃO DA ROCHA PITA – PE. ANTONIO VIEIRA.  

SETECENTISMO  (ACADEMIAS E ARCADISMO MINEIRO: SANTA RITA DURÃO -  BASÍILIO DA GAMA – TOMAS ANTONIO GONZAGA - SILVA ALVARENGA - CLAUDIO MANOEL DA COSTA - JOAQUIM JOSÉ  LISBOA - BEATRIZ BRANDÃO - FREI FRANCISCO MONTALVERNE -FREI FRANCISCO DE SÃO CARLO - JOSÉ ELÓI OTONI - FRANCISCO DE MELO FRANCO - JOSE´DA NATIVIDADE  SALDANHA - JOSÉ BONIFÁCIO - JOSE´DA SILVA LISBOA - JOSÉ FELICIANO FERNANDES PINHEIRO - MARIANO JOSÉ PEREIRA DA FONSECA (MARQUES DE MARICÁ) - PE. SOUZA CALDAS.    

IDADE CONTEMPORÂNEA - 1789 – HOJE

ROMANTISMO COM POESIAS RELIGIOSAS, FILOSÓFICAS, INDIANISTAS, SOCIAIS, ULTRA-ROMANTISMO, POESIAS DA DÚVIDA, DA SAUDADE, DA NATUREZA. O ROMANCE INDIANISTA, EGIONALISMO, CRÍTICA LITERÁRIA. REALISMO, NATURALISMO, PARNASIANISMO, SIMBOLISMO, PRÉ-MODERNISMO, MODERNISMO E FUTURISMO, E VÁRIOS MOVIMENTOS.

     Examinemos somente o SETECENTISMO para ver as Academias, o Movimento Arcádico *, os Àrcades  e a Inconfidência e  A Escola Mineira,   para  depois chegarmos de perto do nosso Claudio.

       Na vida literária, o século XVIII recebe as Academias, imitando movimentos europeus, sendo que a mania do arcadismo nasceu a Itália no  século XV firmando-se depois no XVIII com o arcadismo pastoril. Em Portugal reina certo cultismo acadêmico e surgem lá as academias dos Singulares, dos Generosos, dos Solitários, dos Anônimos, dos Ilustrados, dos Unidos, entre outras.  

      Tais academias eram, na verdade, focos de “culteranismo” e desses movimentos fez-se surgir a nossa literatura brasileira sob o signo do Arcadismo - agremiações de poetas, escritores e homens cultos que tinham por objetivo incrementar o estudo das letras, das artes, das ciências e, via de conseqüência,  a publicação de seus trabalhos. 

      Assim as academias passaram logo para as Arcádias mais objetivas, voltadas mais para as letras, e delas nasceu a Escola Mineira, embrião do nosso gênero Romantismo. No século XVIII era grande o número de poetas que desejavam congregarem-se, surgindo daí as os primeiros centros de “comunhão literária”.         

       Nessa época houve grande transformação em nosso país -  o homem se firma na terra e adquire consciência do que é um Brasil, já em grande desenvolvimento com as Bandeiras e as descobertas do ouro em Minas,  sendo que tais descobertas ocasionaram deslocamentos da vida brasileira, que tinha ponto mais importante no Nordeste, para o Centro-Sul (Vila Rica) e que passa a ter prestígios de cidade grande, tornando-se assim o centro econômico do século. Mas o Brasil, sobrecarregado de pesados impostos, vai apressar a Inconfidência Mineira. 

      Sob o aspecto literário, vemos o aparecimento de diversas  academias  no Rio de Janeiro e, na Bahia em 1795 a mais importante, a  Academia  dos Renascidos,  de onde surgiram as primeiras idéias  revolucionárias do país. Mas, em reação às Academias, foram criadas as Arcádias, outro tipo de Academias que se orientavam pelas influências diretas do enciclopedismo francês. Seus componentes procuravam integrar-se na Natureza para aproximação das coisas simples, na  pregação de Rousseau “A volta do homem ao natural”. Assim adotavam nomes de pastores, ou se inspiravam nas coisas do campo.

      Em 1768, em Ouro Preto, foi fundada a Arcádia Ultramarina e é  nesse mesmo ano quando então Claudio Manoel da Costa publica  “Obras Poéticas” e, desse modo, inferiu-se a existência de uma Arcádia  Brasileira. Segundo Sílvio Romero, fora, efetivamente, a mais importante das agremiações   literárias do século XVIII aqui no Brasil. O arcadismo é uma reação consistente contra o Barroquismo e expressa amplo movimento de restauração do Classicismo de Naturalidade Expressional, daí, pode ser considerado mais do que um conjunto de gêneros literários verdadeiros; uma filosofia de vida reinterpretando o mito da idade do ouro, que começava a passar de retrospectivo a prospectivo, vez que a noção de homem natural dava lugar à idéia de progresso, passando-se da nostalgia à utopia.      

      Os Árcades e a Inconfidência: Fundaram-se em Portugal, as já aludidas Arcádias, academias literárias do século XVIII, onde os  membros dessas agremiações adotavam vários heterônimos. O termo Arcádia já surgira na literatura européia com um poema de Sanazarro em 1502, figura da literatura italiana. Houve exageros de pastores na literatura européia e assim, a partir de Sanazarro, criou-se um novo gênero tido como pastoral .

       As Arcádias do século XVIII reuniam poetas que reviviam os sentimentos dos pastores, inspirando-se em Teócrito e Vigílio, misturando deuses gregos com pastores numa natureza feérica. O objetivo da Arcádia era então reagir contra os abusos do preciosismo, movimento preferido, muito difundido pelos gongóricos. Os Árcades foram poetas envolvidos na Inconfidência Mineira, liderados pelo marianense  Claudio Manoel da Costa.

        A Escola Mineira, que no século XVIII o centro literário da colônia localizava-se em Minas Gerais, mas que na verdade não se trata efetivamente de Escola Mineira, pois como agrupar épicos e árcades líricos. Tal concentração literária em Minas Gerais deveu-se  ao surto econômico e material da capitania, resultante das descobertas de minas e, tal acontecimento, atraindo  aventureiros de todos os cantos do Brasil para Vila Rica, Sabará, Tijuco, Mariana, Serro, São João d’El Rey.

      As cidades desenvolviam-se muito rapidamente, os jesuítas instalavam seus Colégios, induzindo com isso  o gosto pelas letras, daí a poesia tornou-se o gênero mais cultivado. Os poetas da chamada “Escola Mineira” mais envolvidos na inconfidência, liderados por Claudio Manoel da Costa eram: Desembargador Tomás Antonio Gonzaga,  Manoel Inácio da Silva Alvarenga, Inácio José de Alvarenga Peixoto e Domingos Vidal Barbosa Lage.

CLAUDIO MANOEL DA COSTA

  De família Luso-Brasileira, nasceu na cidade de Mariana MG, antiga Vila do Carmo, a 29 de junho de 1729, registro de batismo arquivado na Cúria Metropolitana da cidade. Estudou no Colégio Jesuítico do Rio de Janeiro e depois, em Portugal, doutorou-se em Direito Canônico na Universidade de Coimbra. 

      Foi o primeiro escritor brasileiro conhecido no exterior que bem conhecia os grandes mestres do verso como Petrarca e Dante, e louvado como excelente sonetista. Advogado e servidor público (Secretário de Governo) foi uma das mais prestigiosas personalidades da colônia e  envolveu-se ainda na conspiração de Tiradentes, pelo que foi preso, enforcando-se ou “enforcado” na da Casa dos Contos em Ouro Preto.

      Em 1789, Claudio, em perfeita sintonia com os Árcades Portugueses (Garção,  Dinis, Quita, Negrão, Cândido Lusitano) de quem devia, embora em seu reduto cultural de Minas, acompanhar epistolarmente a reforma literária, reformulara sua própria poética antibarroca e noeclássica em pronunciamentos contra o “deteriorado gosto dos tempos” e em favor de uma restauração dos modelos clássicos: Petrarca e Camões. Porem  o sentimento nativista de que era portador (e que se percebe até mesmo na ambivalente conscientização de uma realidade natural como a brasileira, ou melhor, a “mineira”  bárbara e antipoética segundo  o cânon corrente), condicionara em todos os momentos a sua musa atenta à lição das canoras ninfas do Mondego, mas incapaz de cantar outros sítios que não as áridas serras da pátria. Afirma em seu Ribeirão do Carmo:

Competir não pretendo

Contigo, ó cristalino

Tejo, que mansamente vás correndo

Meu ingrato destino

Me nega a prateada majestade

Que os muros banha da maior Cidade.

...Não se escuta a harmonia

Da temperada avena

Nas margens minhas, que a fatal porfia

Da humana sede ordena

Se atente apenas o ruído horrendo

Do tosco ferro, que me vai rompendo.

           A oposição Serras de Minas e Planura do Mondego, irá tornar-se, portanto, um dos temas recorrentes da verve dessa poesia  arcádica  na qual os pastores esculpem nas rochas e não nos troncos da convenção pastoral, os nomes das amadas: 

Aqui,sobre esta pedra áspera e dura

Teu nome hei de estampar, ó  Franceliza

na qual, com a ambientação rochosa da fábula pastoral, um descritivismo realista, ignorado nas outras Arcádias, funde para a literatura brasileira,  a paisagem dos penhascos barrocos com a dos despenhadeiros românticos. Do mesmo modo, o poeta barroco e o bardo romântico, o árcade brasileiro, sente a oposição da natureza como projeção  externa de um conflito íntimo.

Destes penhascos fez a natureza

O berço em que nasci: ó quem cuidara

Que entre penhas tão duras se criara

Uma  alma terna, um peito sem dureza!

  E como os rios românticos, o pátrio rio não escorrerá por uma idílica  planura, mas nascerá da rocha: uma rocha que, na transposição mitológica e culta do árcade ultramarino, torna-se um gigante empedernido, segundo uma fonte incônscia  ou subentendida que é, de um lado, o Adamastor  de Camões e, do outro, o Polifemo rochoso de Góngora.  É uma poesia de contrastes, esta de Claudio, toda construída sobre antinomias temáticas: chegada e partida, “mudança” de coisas e pessoas, incerto e melancólico oscilar do  artista brasileiro entre a pátria cultural e a pátria natural, entre o hábito citadino do estudante e o grosseiro jaleco do mineiro. Mas é uma poesia que, na recusa de tudo quanto de exterior e amaneirado existia no Barroco menor, saberá recuperar os sólidos valores líricos do grande Quinhentismo Português, sem, todavia, privar-se da imagem culta, do conceito opulento, ensinados por Góngora e Quevedo.

      Nesse sentido, a obra lírica de Claudio Manoel da Costa, que se realiza em sonetos,  égloglas, cantatas, epístolas e epicédios, alcança seu diapasão na estrutura fechada de sapientíssimos sonetos e na fluência das églogas (sobretudo a IV, sobre a “mudança” das coisas e do amor ou a VIII em que retorna, mas arcadizando através do Metastásio do Cíclope e da Galatéia, o tema do Polifemo barroco) onde  o modelo de Teócrito, mas também de Marino e de Gôngora, é filtrado através da interpretação que do  fatum virgiliano dera à tradição lírica portuguesa.

     O poeta civil, que, mesmo sob o disfarce pastoril, Claudio Manoel  jamais se recusou a ser, aflora em protestos ao rei contra o iníquio sistema  tributário prejudicial a um pobre “país decadente” ou em confrontos (com total desvantagem para a coroa portuguesa) com a Rússia iluminada  de Pedro o Grande, um artífice da transformação de um território semibárbaro  num país moderno.

      Manifesta-se, porem, sobretudo na construção de um medíocre, monótono poema épico Vila Rica, longamente elaborado, mas jamais publicado em vida do autor.  O tema nativista, aqui agora tratado em formas de ortodoxia política, apresenta os colonos de Minas já insidiados por uma voltairiana  discórdia, agora pacificados pelo triunfo da justiça e da autoridade régia.        

        É tema sugerido pelo Uruguai de Basílio da Gama, introdutor do índio na tessitura de um poema heróico (e muitas cenas do seu Vila Rica são calcadas, como se pode ver no Uruguai); ainda que o Árcade marianense Claudio Manoel não escolha formalmente  nem a oitava camoniana, nem o verso branco de Basílio, mas adapte sua matéria ao sistema das rimas emparelhadas,  posto em voga pela La Henriade de Voltaire. Obras do poeta são também: O Munúsculo Métrico, O Epicédio, O Labirinto do Amor, entre outras. 

 

                               

*Arcádia-Designação das sociedades literárias dos séculos XVII-XVIII que cultivavam o classicismo, cujos membros adotavam nomes de pastores na simbologia poética. Arkadia, província Grega do Peloponeso, foi civilizada por Árcade, filho de Zeus e Calisto. Região de pastores dados à música e à poesia ou ainda símbolo idealizado da vida rural e campestre. O Árcade ou Arcádio aquele membro de uma Arcádia  de próprio do estilo ou maneira literária dos membros das Arcádias.  

SYNOPSIS

 During  the 18th. Century “poetic academies” sprang up in various parts of Brazil. The most famous one was in the state of Minas Gerais, where  group of writers had helped to introduce revolutionary ideas from France and so Neoclassicism was widespread in Brazil during the course of mid 18th century, following the classic Italian style.  Literature was often produced by members of temporary or semi-permanent Academies and most of the content was in the “pastoral  genre”. The most important  literary centre in colonial Brazil was in the prosperous Minas Gerais region, known for its gold mines, where a thriving proto-nationalist movement had begun. The most outstanding poet-leader object of this article was Cláudio Manuel da Costa,  who was also involved in an uprising movement against the Colonial Power, known as The “Minas Inconfidência”. 

 

Bibliografia  consultada:

Manuel Bandeira (Noções de História das literaturas) Ed. Fundo de Cultura   

Luciana S. Picchio ( História da Literatura Brasileira)  Ed. Nova Aguilar RJ.

Alpheu Tersariol  (Literatura) Ed. Edelbra  RS.

Luíz Sartorelli Bovo (Mariana Berço de Valores Ilustres) Coleção: “Evocando  Fatos e Homens”

                                                                                                                          Texto:    Arley da Graça Camillo

 


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