Áureo Trono Episcopal

270 anos da entrada solene em Mariana de Dom Frei Manoel da Cruz - Primeiro Bispo de Minas

27/11/2018 às 06h39

O Áureo Trono Episcopal, colocado nas Minas de Ouro, ou notícia breve da criação do novo bispado Marianense, da sua felicíssima posse e pomposa entrada do seu meritíssimo, primeiro Bispo, e da jornada que fez do Maranhão, excelentíssimo e reverendíssimo senhor D. Fr. Manuel da Cruz, com a coleção de algumas obras acadêmicas e outras que se fizeram na dita função, autor anônimo, dedicado ao ilustríssimo patriarca S. Bernardo, e dado à luz por Francisco Ribeiro da Silva, Clérigo Presbítero, e Cônego da nova Sé Marianense

Em 1745, pela bula Candor lucisaeternae, o Papa Bento XIV criou a diocese de Mariana, desmembrada do Rio de Janeiro, juntamente com a diocese de São Paulo e as prelazias de Goiás e Cuiabá. A criação dessa diocese marca novo momento na geopolítica de colonização do sertão mineiro. Com sua instalação, modificam-se as relações entre as diversas esferas do poder. Torna-se mais complexo o quadro de forças políticas configurado pela atuação das irmandades, câmaras locais, clero e autoridades.

A igreja matriz dedicada a Nossa Senhora da Conceição foi elevada à categoria de catedral de Nossa Senhora da Assunção. A mudança do título se deve a um voto do rei de Portugal quando, em 1385, o reino português se encontrava ameaçado pelo reino de Castela. A razão era a sucessão ao trono de Portugal, ambicionado pelo rei de Castela que, através das complicadas linhas dinásticas, era um dos pretendentes. Os portugueses, comandados por aquele que seria D. João I, resistiram às pretensões de Castela. O momento decisivo da disputa se deu na manhã de 14 de agosto de 1385, na célebre batalha de Aljubarrota onde os portugueses, com um exército visivelmente inferior, venceram as armas de Castela, na véspera da festa da Assunção de Maria. Os lusitanos tomaram essa vitória como um verdadeiro milagre e o atribuíram a Nossa Senhora da Assunção. Para agradecer à Senhora, os benefícios e a salvação de Portugal nesse momento de tantos perigos, Dom João I determinou que de então em diante, todas as catedrais do Reino fossem consagradas a Nossa Senhora da Assunção. Ao que tudo indica, D. João V, em 1745, fez cumprir esse voto em Mariana e São Paulo, as duas dioceses irmãs gêmeas, criadas pela mesma bula pontifícia.

O documento papal estabelecia que o bispado de Mariana se limitava com os bispados do Rio de Janeiro e de São Paulo, a prelazia de Goiás, a arquidiocese de São Salvador da Bahia e o bispado de Pernambuco. A jurisdição do bispado de Mariana não correspondia exatamente à Capitania de Minas Gerais. Seu território foi delimitado pelos rios: Jequitinhonha, ao Norte; São Francisco, a Oeste; Rio Doce, a Leste; Rio Paraíba, ao Sul. Assim, parte do território do Norte de Minas pertencia ao arcebispado da Bahia; a parte que se encontrava além do Rio São Francisco era do bispado de Pernambuco; o Triângulo mineiro estava ligado à prelazia de Goiás, e parte do Sul de Minas ficava no bispado de São Paulo.

 

Com seu inconfundível estilo, diz-nos Mons. Flávio Carneiro Rodrigues, Ex- Diretor do Arquivo Eclesiástico de Mariana: “O território coberto pela diocese primaz de Minas, que compreendia a região mineira então habitada (centro e sudeste), aproximadamente um quinto do Estado, hoje repartido entre sete províncias eclesiásticas, se subdividiu numa radiosa constelação de bispados: Diamantina, Pouso Alegre (parte), Campanha (parte), Belo Horizonte, Caratinga, Juiz de Fora, Luz (parte), Leopoldina, São João Del Rei e Itabira- Fabriciano. A sua catedral tornou-se assim a mãe de tantas outras catedrais”.

Novo tempo na história da Igreja em Minas Gerais e no Brasil foi marcado com a criação da diocese de Mariana e a chegada de seu primeiro bispo. Com expressão poética e autenticidade histórica, diz Mons. Flávio: “De Mariana, irradiou-se para todos os horizontes mineiros o facho sagrado do Evangelho que civilizou, educou e engrandeceu a gente mineira. Em Mariana, se ergueram sólidos os umbrais da Religião Católica para os montanheses”.

O bispo do Maranhão, desde 1739, Dom Frei Manoel da Cruz, da Ordem Cisterciense, Doutor em Teologia pela Universidade de Coimbra, homem de comprovadas virtudes e reconhecida experiência, foi nomeado primeiro bispo de Mariana. Com 57 anos de idade, partiu de São Luís no dia 03 de agosto de 1747. Durante sete meses, enquanto aguardava que passasse a estação das chuvas, deteve-se no Piauí. Seguiu depois pelo Rio São Francisco até encontrar o Rio das Velhas. Já se aproximando de Mariana, por alguns dias convalesceu num sítio localizado na freguesia de Itabira do Campo, atual Itabirito. Daí, seguiu para Vila Rica e finalmente chegou a Mariana. Entretanto, Dom Frei Manoel da Cruz já havia tomado posse de sua nova diocese no dia 27 de fevereiro de 1748, por meio de seu procurador Pe. Dr. Lourenço José de Queirós Coimbra, vigário de Sabará, que governou a nova diocese até a chegada do bispo.

A entrada solene do primeiro bispo só se deu no dia 28 de novembro de 1748, em brilhante solenidade, considerada “a maior que já se viu em Mariana, pelo aparato de figuras e carros triunfantes e pelo concurso de gente que das mais longínquas paragens veio a ela assistir”. Nos oito dias que antecederam a cerimônia de entrada do bispo em Mariana, saíram por toda a capitania grupos anunciando as festas. De acordo com o relato do Áureo trono Episcopal, o bispo foi conduzido de liteira até a capela de São Gonçalo, onde era aguardado pelas principais autoridades da capitania e representantes dos bispados de São Paulo e do Rio de Janeiro. Aí se realizou a paramentação e, a seguir, a solene procissão até a catedral. O bispo montou num cavalo branco, todo coberto com tecido adamascado, guarnecido de galão e franjas de ouro.  Abrindo o cortejo, vinham dois guiãos de irmandades. A seguir, um carro triunfante com inscrições latinas exaltando as virtudes do novo bispo. Nesse carro vinham doze músicos que cantavam homenageando a chegada do bispo à cidade de Mariana. Em sequência, vinham onze figuras montadas em cavalos ricamente ornados. Cada cavaleiro era acompanhado por dois pajens, primorosamente trajados. Logo após entrava a dança de carijós, isto é, mestiços, que dançavam ao som de tambores e flautas tocadas por índios. Depois, vinha acarroça imperial puxada por sete cavalos. Na carruagem havia um grande dossel de damasco carmesim e nela estava um jovem vestido com capa pontifical e tiara de pedras preciosas, sentado em um trono exuberante. O figurante, que imitava o bispo, levava na mão direita uma cruz de ouro com oito palmos de comprimento e, na mão esquerda, um cálice e duas chaves pendurada em cordões de ouro. Na parte posterior da carruagem elevava-se um escudo com as armas e brasões da família de Dom Frei Manoel da Cruz, juntamente com um chapéu episcopal coberto de borlas de ouro. Precedidos por seu estandarte, vinham os vereadores, presididos pelo juiz de fora.  Seguia o clero da diocese de Mariana e os cônegos das catedrais de São Luís do Maranhão e do Rio de Janeiro. No fim da procissão, vinha Dom Frei Manoel da Cruz, sob o pálio, guarnecido por uma companhia de infantaria que marchava em duas alas. O cortejo seguiu pela Rua Nova, atravessou a ponte de São Gonçalo, entrou pela Rua Direita e estacionou na praça, onde fora erguido um grande palanque com toldo de damasco carmesim. Nesse local, o bispo foi saudado pelo vereador mais velho. Ao chegar à catedral, foi cantado o Te Deum e seguiu-se o ritual previsto. Ao término, as ordenanças deram salvas de tiros e executaram as cortesias militares. Acompanhado pela nobreza e pelo povo, o bispo saiu da catedral e seguiu para o seu palácio. Inicialmente, Dom Frei Manoel se instalou na casa onde residiu o Conde de Assumar.

 As festividades estenderam-se pela noite adentro. No dia seguinte, houve novamente Ação de Graças na catedral, com toda a assistência das autoridades civis.

As festividades que marcaram a entrada solene de Dom Frei Manoel da Cruz e instalação da diocese de Mariana perpetuaram-se em diferentes conjunturas históricas e diversos espaços geográficos, enraizando-se no continente americano e reproduzindo-se em formas variadas. “A entrada triunfal de Dom Frei Manoel da Cruz na diocese de Mariana foi marcada por enorme expectativa e tensão. A instalação de um bispado em uma região disputada pelas suas riquezas minerais recém-descobertas representava múltiplas e tentadoras possibilidades de ascensão social, por meio de cargos e diversos negócios, Houve um impulso na geopolítica da colonização do sertão misseiro”.

No dia 27 de novembro de 1748, Dom Frei Manoel da Cruz nomeou os primeiros cônegos e funcionários da Sé. No dia 06 de dezembro, os cônegos se reuniram, pela primeira vez, no palácio episcopal e no dia 07 de dezembro, tomaram posse de suas cadeiras na Sé. No dia 08 de dezembro de 1748, festa de Nossa Senhora da Conceição, Padroeira do Reino Português, instalou-se solenemente a catedral de Mariana.

Dom Frei Manoel da Cruz, estendeu o ordenamento paroquial e mostrou-se vigilante quanto aos costumes e à moralidade. Mas, conforme salientou Diogo de Vasconcelos, “nenhum serviço, porém foi maior do que a fundação do Seminário Nossa Senhora da Boa Morte”, no dia 20 de dezembro de 1750.

O seminário “foi o primeiro estabelecimento de ensino em Minas, e, se é certo que homens notabilíssimos brilharam no cenário de nossa história, quer no estado eclesiástico, quer no político, todo o esplendor que deles ainda refulge e se derrama em honra do passado foi daquela casa que saiu. O Seminário de Mariana foi, sem contestação, a alma materda vida intelectual da nossa pátria”.

Dom Frei Manoel da Cruz, depois de um episcopado marcado por muitas lutas, contrariedades, sofrimentos e enfermidades, faleceu no dia 03 de janeiro de 1764 e foi sepultado na Sé de Mariana, junto ao altar-mor, e hoje seus restos mortais repousam na cripta dessa catedral.


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