MARIANA: ENTRE O PASSADO E O FUTURO

02/08/2018 às 16h20

Em uma sociedade denominada líquida, porquanto permeada por valores que se volatilizam muito repentinamente, uma questão que deve ser pautada o quanto antes, tanto pelos nossos governantes quanto pelas comunidades é a da preservação do patrimônio histórico.

         Esse termo – patrimônio histórico – nos remete tanto a uma instituição quanto a uma mentalidade.

         Designa-se “patrimônio histórico” como bens destinados ao usufruto de uma sociedade constituída pela cumulação continua de uma diversidade de objetos matérias e imateriais que se aglutinam por seu passado comum sejam eles obras, edifícios, lugares, objetos e trabalhos de todos os saberes.

         Desde logo o problema que se apresenta é o financeiro. Por que se investir nessa causa diante de um quadro de tantas carências em outras searas públicas tão sensíveis como a saúde, a segurança pública, a educação, os esportes, etc.

         Diante da mediocridade dos serviços públicos em geral – por escassez mesmo ou, muitas vezes, pela malversação dos recursos públicos - porque se preocupar com velhos prédios que se desmancham em ruínas ou com tradições locais ?

         Num mundo pontuado pelos valores econômicos tal questão é preponderante nessa discussão.

         Mas, além dessa questão prática há, ainda, a ausência de compreensão por parte da imensa maioria das pessoas da comunidade da importância mesma da preservação como forma de identificação social e provocação de discussão dos valores sociais arraigados e materializados simbolicamente  nesse patrimônio.

         E são esses dois pontos que instauram a problemática do patrimônio histórico: para que se preservar o patrimônio sem, muitas vezes, não encontrar respaldo na coletividade ? Seria mesmo possível se estabelecer uma efetiva proteção desse patrimônio sem o aval e a participação das  pessoas das comunidades em que se estabelecem ? Qual seria a razão última de uma proteção com reduzida legitimidade social ?

         Hoje, mais do que nunca, é preciso refletir sobre tais questões.

Penso que a resposta a esses questionamentos deva perpassar dois pontos de vista: o filosófico e o econômico.

 Sob o ponto de vista filosófico os questionamentos sobre o patrimônio histórico acabam por revelar as condições intrínsecas de uma sociedade que se apresenta deteriorada e esgarçada em seus valores e que é, portanto, incapaz de estabelecer um itinerário seguro entre o seu passado e o seu futuro. Não me parece possível que os indivíduos e a sociedade consigam desenvolver e aprimorar a sua identidade senão pela duração e pela memória.

Com efeito, uma comunidade alheia à sua história próxima ou remota, aos valores que fundaram a vida de seus antepassados, sem identidade originária, é incapaz de criar estruturas discursivas que permitam questionar valores éticos e morais que se perpetuam no tempo e espaço, por vezes rompendo com os mesmos, num movimento dialético que assuma e ultrapasse seu sentido histórico original.

Ou, na boca do poeta: “Quando eu penso no futuro, não esqueço o meu passado.”

O patrimônio histórico pode servir, assim, como uma alegoria destinada ao aprendizado desse novo paradigma: perceber além daquilo que se vê.

Pois, sim, um prédio, um sítio arqueológico, uma atividade religiosa, carregam em si mesmos conteúdos valorativos e afetivos inimagináveis aos olhos despreparados. E aprender a ver e a sentir precisamos todos, todos os dias.

E a educação patrimonial pode ser uma maneira efetiva de se criar uma mentalidade voltada para a internalização de valores que se desejam em uma comunidade.

Refiro-me, aqui, a uma educação verdadeira e não à meramente formal. A “paidéia” dos nossos antepassados gregos. Uma abertura de consciência para uma nova visão de mundo em que se estabeleçam premissas que se pretendam consolidadas em nosso futuro: o cuidado para com as coisas e para com os outros; à escuta do diferente; a atenção e o respeito à história em geral e, em decorrência, às histórias de cada um.  

A internalização constante desse novo paradigma deve ser concretizada na efetiva participação das pessoas no cuidado diário e constante do patrimônio cultural que lhes pertence porque, mais do que prédios e tradições, há, agora, histórias povoadas de valores ali simbolizadas.

A legitimação desse cuidado passará, ainda, por um envolvimento na causa, através da utilização desse patrimônio no dia-a-dia, permitindo-se uma adequação de uma história a um presente, vívido e interessante.

Exemplo dessa utilização pode-se encontrar mundo afora. Veja-se, por exemplo, o que se fez em Buenos Aires, transformando-se um antigo e abandonado porto num local aprazível e destinado a encontros a participação social: Puerto Madero.

Mas além do discurso teórico, a questão é: como se avançar nesse desiderato?

A intervenção do Poder Público é fundamental, por meio de adequação dos currículos escolares, com o fomento de palestras e atividades culturais específicas, audiências públicas de debates, criação de grupos de estudos, e, convênios com a UFOP que sedia nesta cidade um curso de história e, por meio de extensão universitária pode desenvolver projetos nesse sentido envolvendo não só os jovens escolares como também as comunidades em diversos rincões.

Veja-se que são atividades que demandam muito mais visão e vontade política do que recursos propriamente ditos.    

Também a comunidade, por meio de lideranças comunitárias, pode se envolver em projetos. Numa cidade como esta de tantos bens patrimoniais não se tem uma organização social ativa em defesa do patrimônio histórico!

Não creio que não haja pessoas preocupadas com esse assunto. A mim me parece que carecem de uma liderança que as uma num propósito efetivo de concretização de uma política protecionista baseada na legitimação popular.

Talvez o Conselho do Patrimônio de Mariana possa servir de catalizador nesse sentido, estimulando lideranças nesse propósito, auxiliando-o, inclusive.

Sob o ponto de vista econômico a relevância é inconteste.

Mariana vive às custas de uma atividade econômica minerária que, à par de discussões éticas e ambientais, impertinentes para esta oportunidade, lhe rende recursos de monta, e oferece oportunidades de trabalho.

História recente, todavia, mostrou que se trata de atividade precária e que pode deixar a cidade em situação de extrema dificuldade. Além da possibilidade de desastres ambientais ou quedas nos comodities internacionais, há, ainda, o inexorável exaurimento das reservas, cedo ou tarde.

Ainda assim não se vêm atitudes no sentido de preservar, valorizar e estimular fortemente o turismo na região, seja ele histórico, religioso ou ecológico.

Sabidamente o turismo vem sendo em muitos países a mola propulsora da economia, gerando riquezas de forma limpa e altamente capilar – hotéis, restaurantes, etc.etc.

As cidades históricas podem ser transformadas em produto de consumo cultural, desde que passem, por óbvio, por estudos criteriosos, unindo-se a sua preservação e participação da comunidade local a uma fonte de renda, num círculo virtuoso.

Ora, a preservação patrimonial tem, assim, residualmente, um papel importante no futuro de Mariana, aglutinando ao mesmo tempo uma forte fonte econômica a valores de sensibilidade, especialmente estéticos.   

 E não se vê atitude concreta quer seja por parte dos governantes, quer seja por parte do empresariado local, no sentido de se estimular essa atividade. Incompreensível essa cegueira.

Quando se perceber essa importância talvez seja tarde demais e somente restarão ruínas, pouco atrativas aos turistas.

Mariana se encontra  numa encruzilhada entre o seu passado e o seu futuro e decisões precisam ser tomadas urgentemente.

Qual cidade desejaremos viver daqui a vinte, trinta anos ? Qual civilização estamos criando ? Quais valores sociais e culturais estamos cultivando ?

Essa é uma dentre tantas questões importantes que se apresentam em nossa cidade.

        

 Antônio Carlos de Oliveira

Promotor de Justiça Aposentado

 

 


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