Parece incrível, mas a origem do Carnaval é religiosa! Essa festa é posicionada um dia antes da Quarta-feira de Cinzas, que abre o Tempo da Quaresma (Tempus Quadragesimæ), criado em Roma entre os séculos IV e VI, na forma de uma abstinência (jejum) de carne de quarenta dias preparatórios da Páscoa (sem contar os domingos, pois não se jejuava aos domingos), inspirado nos quarenta dias em que Jesus permaneceu orando e jejuando no Deserto da Judeia (Mateus, 4, 2; Marcos, 1, 13; Lucas, 4, 2). Totalizando, portanto, quarenta e seis dias (ou seis semanas e quatro dias), a Quaresma é o maior período penitencial do ano litúrgico católico, destinado a orações e purificações curativas - tanto físicas quanto espirituais - entre elas a abstinência de carne, hoje quase somente restrita ao último dia da Quaresma (mais conhecido como Sexta-feira Santa).
Desde fins da Idade Média, o dia anterior à Quarta-feira de Cinzas começou a ser usado para a despedida da fartura do verão no hemisfério norte e preparatório da Quaresma por razões inversas, uma vez que, a partir desse tempo litúrgico, começavam o recolhimento e as penitências religiosas. Foi se estabelecendo, então, nessa terça-feira, uma série de diversões, comilanças e brincadeiras, espécie de "bota-fora", que ainda hoje se pratica na véspera de outros períodos fortemente regrados, como no casamento, precedido pela famosa "despedida de solteiro (a)". Com a função de criar uma necessária válvula de escape ao rigor das normas, essas festas foram sábia e estrategicamente posicionadas do lado de fora do período restrito, estando, portanto, intima mente associadas aos mesmos.
O nome "Carnaval" é bastante antigo e, embora sua etimologia seja controversa, provavelmente está associado ao jejum da Quaresma, e não especificamente às brincadeiras e comilanças da terça-feira, uma vez que parece ter origem na expressão "carnis levale", referente ao jejum quaresmal, e cujo significado é "retirar a carne". E essa festa da terça-feira foi se configurando de diversas maneiras pela Europa: em Veneza, durante o Renascimento, adotou-se a festa das máscaras (uma revitalização das festas da antiguidade grega), com seu famoso "canto carnascialesco", mas em Portugal surgiu o Entrudo, uma espécie de relaxamento das regras de comportamento social, herdado da Grécia Antiga e, em função da sua ligação com a festa da Quaresma, também conhecido como Santo Entrudo.
Durante o Entrudo, as pessoas jogavam água, frutas, bolas de farinha e outros produtos umas nas outras, cantando canções bem humoradas e praticando várias formas sociais de diversão. Houve, no mundo lusófono, dois tipos de entrudo: o entrudo doméstico ou privado (mais familiar, reservado e respeitoso, porque todos se conheciam) e o entrudo de rua ou público (mais ousado e agressivo, pois os brincantes não necessariamente se conheciam). Durante o século XIX o Entrudo era animado por modinhas e lundus, mas a música ainda não era o centro dessa festa, e sim as brincadeiras de atirar pós e líquidos uns nos outros.
Introduzido no Brasil provavelmente já no século XVI, tornou-se brincadeira muito popular, porém cada vez mais restrito ou proibido a partir de 1830, devido aos excessos que foram surgindo com o aumento das populações e das tensões sociais. Em pleno século XVIII, Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810) ainda descrevia desta maneira, em suas "Cartas Chilenas" (1789), a exuberância das festas do Entrudo, aqui na vizinha Vila Rica:
"Filhós, fatias, sonhos, mal-assadas,
Galinhas, porco, vaca, e mais carneiro,
Os perus em poder do pasteleiro,
Esguichar, deitar pulhas, laranjadas.
Enfarinhar, pôr rabos, dar risadas,
Gastar para comer muito dinheiro,
Não ter mãos a medir o taverneiro,
Com réstias de cebolas dar pancadas.
Das janelas com tanhos dar nas gentes,
A buzina tanger, quebrar panelas,
Querer em um só dia comer tudo.
Não perdoar arroz, nem cuscuz quente,
Despejar pratos, e alimpar tigelas,
Estas as festas são do Santo Entrudo."
Foi somente no final do século XIX que, em meio ao Entrudo, surgiram os blocos e cordões carnavalescos que desembocaram nas escolas de samba do século XX, tornando a música o centro da diversão e deixando as brincadeiras em segundo plano. Restos do entrudo, no entanto, ainda permanecem no Carnaval contemporâneo por todo o Brasil, na prática de molhar-se uns aos outros em casa e nas ruas com bisnagas de água, espumas químicas, perfumes e outras substâncias, durante os desfiles dos blocos e escolas que caracterizam o Carnaval moderno.
Então vamos reviver a história com as brincadeiras do Entrudo, mas sem excessos, heim! Salve o Santo Entrudo de Portugal, a origem do Carnaval Brasileiro!
Na cidade de Mariana, as Posturas Policiais em consideração à Lei de 1.º de Outubro de 1828 informa em seu artigo 23: º que são “proibidos nesta cidade e Arraiais do Termo ajuntamentos de homens, e mulheres, para batuques, e outros fins ainda mais perniciosos, e ofensivos a moral Pública”.
A reformulação das posturas da cidade de Mariana, em 1846, prevê que, quando o contraventor for escravo, a pena não será de prisão, mas de açoites “com atenção aos graus máximo, médio e mínimo, e na razão de dez açoites por cada dia de prisão”. As multas também serão computadas desta forma, com a mesma ponderação quanto aos graus e na “razão de dez açoites por cada dez tostões, quando o senhor do escravo não prefira pagá-la no prazo de dez dias, contado da data da sentença de condenação”.
Além dos açoites, as multas também podiam ser comutadas em “palmatoadas”, isto é, pancadas de palmatórias.
As multas e penas eram determinadas para cada pessoa que estivesse brincando o Entrudo, as posturas parecem considerar em seus dispositivos como infratores os adultos e os escravos. A postura da cidade de Itajubá, entretanto, prevê, e é a única, que sendo menor será o pai ou tutor obrigado a pagar a multa prevista.
A pena de prisão é menos constante, servindo como recurso de coerção e ameaça para o caso das pessoas não pagarem a multa. Em um conjunto de oitenta e oito posturas que proíbem o jogo de Entrudo, aparece o recurso da prisão em dezoito municípios, sendo que as cidades de Mariana e Itajubá aparecem mencionadas duas vezes.
O tempo de reclusão previsto é de “vinte e quatro horas de prisão ao infrator que prontamente não satisfizer o pagamento da multa”, como na cidade de Mariana , e de cinco a dez dias de prisão “quando o brinquedo for com cheiros, água limpa, ou laranjas artificiais” , mas sendo “com [laranjas] naturais, limões, ou quaisquer outras coisas, que possam induzir perigo ou causar dor, ou com águas fétidas, será a multa de 10$ a 30$000, e prisão de 10 a 30 dias”.
No entanto, a maioria das cidades previam a pena de prisão para três e cinco dias e, no caso de maior rigor, em oito dias. As posturas da cidade de Mariana constituem um uso exemplar do movimento proibitivo do Entrudo ao longo do século XIX. Indicando, em 1830, um movimento inicial de proibição de três dias de prisão.
Entre as décadas de quarenta e oitenta, chega-se a um maior virtuosismo e ao auge das medidas controladoras do Entrudo com a previsão de cinco a trinta dias de prisão. Em 1890, evidencia-se que a prática do Entrudo já não tem mais a preferência entre a população, e deste fato decorre certa flexibilidade com relação às penas.
Além das atitudes já mencionadas nas Posturas anteriores, em 1884 a cidade de Mariana incluía ser proibido apresentar nos dias de Carnaval “figuras alegóricas insultando as autoridades civis e eclesiásticas, irmãs de caridade e quaisquer pessoas em particular”
Limão de Cheiro:
Segundo Luiz Edmundo em seu Recordações do Rio Antigo61, a cidade acordava em alvoroço. As crianças pulavam da cama gritando: “Entrudo! Entrudo! Entrudo!” E pela manhã podiam se escutar os ambulantes pelas ruas: “—Porvio! Limão de chêro, de toda cô Bom chêro. Bom chêro”. Ao se referir a ambulantes, muito provavelmente se refere aos escravos, pois logo depois diz que o limão vinha “no tabuleiro da preta” e também “o pacote de pó de goma no cesto ou no samburá”.
Os limões-de-cheiro eram fabricados por dois processos. Após a cera ser derretida enchia-se um pouco uma fôrma oca [composta de dois pequenos hemisférios que se ajustavam] por meio de um furo, sacudia-se, depois abria-se a fôrma e retirava-se o limão e era só enchê-lo.
O processo mais comum servia-se das frutas naturais como modelo. Mergulhava-se a fruta presa pelo cabo dentro de um recipiente cheio de cera derretida. Quando estavam bem impregnadas de cera, eram colocadas dentro de um balde cheio de água fria para resfriar. Depois de frias, com uma faca cortava-se ao meio o limão-de-cheiro moldado à fruta, que desprendia -se dela em duas partes. Uniam-se por meio de cera quente e novamente mergulhada a água para esfriar e estava pronta.
Para finalizar, enchiam-se os limões com uma seringa de borracha. O líquido era introduzido através de um buraco feito na parte superior, após estarem cheios eram fechados com um pouco de cera. Ficavam guardados dentro de baldes com água fria ou em bandejas até a hora de serem usados. Para ficarem coloridas era acrescentado à cera carmim, anil e verdete.