Há nas cidades antigas um ambiente propício para a evocação. História e Estória se entrelaçam, tornando-se, muitas vezes, difícil a separação do real do que é fictício.
Nos velhos casarões das cidades seculares, parece que ainda ecoam as vozes de um passado cheio de heroísmo, de exemplos e de superstição. Há, em cada canto, um motivo para a meditação, uma saudade que chora, envolvida na poeira doirada dos tempos e, à noite, em surdina, duendes contam histórias de amor e de martírios. Nas sacadas abandonadas não mais farfalham alfaias riquíssimas e multicores, mas a voz dos ventos nelas vem cantar as glórias dos que já se foram, vem sussurrar romances belos, os mais belos romances de amor.
Nas velhas igrejas, em cujas naves suntuosas e altares rendados o gênio de artistas se retrata em maravilhas de cores e de volutas, há ainda o som de litanias graves, murmúrios de preces, o ressoar de hinos glorificando o Deus de todas as coisas. E os relógios, nas torres esbeltas, soluçam, sem cessar, na dança ritmada das horas.
Sob as pontes as águas correm, rolam, testemunhas eternas de vidas que passaram, de fatos que se notabilizaram, do florescer de povos que se sucederam na edificação de civilizações.
Essas cidades velhas que muita gente, erradamente, chama de cidades mortas, são as pedras fundamentais de uma nação, são o berço de princípios que se imortalizaram através dos séculos e têm, em seu seio, um escrínio de recordações, de exemplos de lições que norteiam gerações e gerações.
É a história de uma cidade assim que Moura Santos conta nas suas LENDAS MARIANENSES.
Mariana, cellula mater das Minas Gerais, cidade de fé e dignidade, é retratada nas páginas do livro de Moura Santos, com um lirismo encantador, com entusiasmo, com o carinho de um amante fervoroso.
Moura Santos é um apaixonado da sua terra; ele estuda a sua história e as suas lendas; traça o perfil dos seus grandes vultos e as figuras exóticas dos seus tipos populares; acompanha as músicas imponentes que vibram nos órgãos das suas igrejas e os violões que choram nas noites enluaradas, na ronda boêmia das serenatas.
Com ardor inabalável, defende a sua cidade dos ataques e da irreverência dos ignorantes e iconoclastas que tentam deturpar ou ironizar as suas glórias e a sua gente. Revolta-se contra a destruição de velhos prédios coloniais, relíquias que deveriam ser conservadas para a veneração e o respeito da posteridade.
Vai da Cartucha de D. Viçoso às Colinas do Rosário, de Santana a São Pedro, encontrando, em todos os recantos, uma história, uma lenda, um vulto, um conjunto de fatos e de pessoas que representam a vida da sua cidade através do passar de longos anos.
Exalta os dignitários do trono episcopal, desde D. Frei Manuel da Cruz, seu primeiro ocupante, fazendo ressaltar a bondade santa de D. Viçoso e a figura ímpar de D. Silvério, que da penumbra da sua cor, fazia irradiar o esplendor da sua cultura admirável.
Nas lendas fantásticas há o assombro dos dragões, das mulas-sem-cabeça, dos lobisomens e das almas-penadas, nas suas vigílias de penitências e de remorsos, mostrando, ao mesmo tempo, um sentimento de revolta contra o período nefando da escravatura.
Em todas as páginas do seu livro, Moura Santos tece um hino de louvor, uma canção de ternura à sua terra natal. Reaviva-se o natural amor dos marianenses pela antiga Vila do Carmo; mostra aos filhos de outras terras as grandezas do seu passado, indelevelmente gravado na história do Brasil, bem como as lutas atuais da cidade para manter-se sempre de pé, como o berço da civilização e da fé na terra mineira.
Moura Santos esconde, na sua modéstia, uma alma romântica, um espírito sensível de intelectual, um eterno apaixonado pela sua Mariana. No seu livro, ele desmente a significação do termo gaveteiro, que é, segundo diz, o que guarda a sua língua. Ele soltou a sua e muito bem solta, para mostrar às gerações o valor da gente marianense e a contribuição que ela deu para a grandeza do Brasil.
LENDAS MARIANENSES é um livro para ser lido e relido, para ser meditado e respeitado, porque ele é um depoimento sobre um tempo e sobre um povo; é um documento para o estudo da nossa história; é uma demonstração do valor e do sentimento de um escritor que não mede sacrifícios, não se atemoriza na exaltação do seu torrão natal.
Está de parabéns o Moura Santos.
Está de parabéns Mariana.
Ouro Preto, abril de 1966.
GERARDO TRINDADE