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Revista agosto.

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Agosto /2017<br />

Mariana<br />

<strong>Revista</strong> Histórica e Cultural


A Mariana - <strong>Revista</strong> Histórica e Cultural é<br />

uma publicação eletrônica da Associação<br />

Memória, Arte, Comunicação e Cultural de<br />

Mariana. O periódico tem o objetivo divulgar<br />

artigos, entrevistas sobre a cidade de Mariana.<br />

A revista é uma vitrine para publicação de trabalhos<br />

de pesquisadores, para mostrar a cultura e<br />

histórias da primeira cidade de Minas.<br />

Esperamos que os textos publicados contribuam<br />

para a formação de uma consciência de preservação<br />

e incentivem a pesquisa.<br />

Os conceitos e afirmações contidos nos artigos<br />

são de inteira responsabilidade dos autores.<br />

Colaboradores:<br />

Prof. Cristiano Casimiro<br />

Prof. Vitor Gomes<br />

Agradecimentos:<br />

Arquivo Histórico da Municipal Câmara de Mariana<br />

IPHAN - Escritório Mariana<br />

Arquivo Fotográfico Marezza<br />

Museu da Música de Mariana,<br />

Fotografias:<br />

Cristiano Casimiro, Caetano Etrusco<br />

Arquivo Marrrezza - Marcio Lima<br />

Diagramação e Artes: Cristiano Casimiro<br />

Capa: Fotografia Rua Direita - Marezza Photo<br />

Associação Memória Arte Comunicação e Cultura<br />

CNPJ: 06.002.739/0001-19<br />

Rua Senador Bawden, 122, casa 02


Para vento da Sé de Mariana -Caetano Etrusco<br />

Índice:<br />

Lendas Marianenses 04<br />

270 anos da jornada de Dom frei Manoel da Cruz 10<br />

O Barão e as Minas - 200 anos da Carta Régia de 1817 15<br />

São Roque - O Santo da Cidade 22<br />

Professor José Arnaldo 26


Mariana<br />

321 Anos<br />

Cristiano Casimiro<br />

Capa do livro Lendas Marianenses 1967


05<br />

Lendas Marianenses<br />

Agosto é mês do folclore, dos<br />

mitos e lendas da cultura popular.<br />

Histórias diversas que, numa<br />

leitura por vezes fantasiosa, dão conta<br />

de tempos antigos, da escravidão, da<br />

mineração, da pesca, da vida rural, das<br />

vilas e das cidades.<br />

Há nas cidades antigas, como Mariana,<br />

um ambiente propício para a evocação.<br />

História e Estória se entrelaçam, tornando-se,<br />

muitas vezes, difícil a separação<br />

do real do que é fictício.<br />

Nos velhos casarões, parece que ainda<br />

ecoam as vozes de um passado cheio<br />

de superstição. Há, em cada canto,<br />

depoimento sobre um tempo e sobre<br />

um povo. O principal folclorista brasileiro,<br />

Luís da Câmara Cascudo (1898-<br />

1986), definiu o folclore como: a cultura<br />

popular, tornada normativa pela tradição.<br />

Este saber popular é o Folk – lore,<br />

palavra formada a partir das velhas<br />

raízes saxônicas em que folk significa<br />

povo e lore saber. Em 1846 o antiquário<br />

William John Thom cunhou a palavra<br />

para sintetizar o conceito de cultura<br />

popular.<br />

O livro LENDAS MARIANENSES, do<br />

Prof. Waldemar de Moura Santos,<br />

originalmente editado em 1966 pela<br />

Imprensa Oficial do Estado de Minas<br />

Gerais e posteriormente lançado em<br />

1967 pela Editora Itatiaia, é um exemplo<br />

impar deste conceito de cultura<br />

popular da nossa cidade. Nas lendas<br />

fantásticas há o assombro dos dragões,<br />

das mulas-sem-cabeça, dos lobisomens<br />

e das almas-penadas, nas suas<br />

vigílias de penitências e de remorsos.<br />

Tendo com cenário as velhas igrejas, as<br />

ruas escuras e sombra da luz de lampião,os<br />

murmúrios de preces e as<br />

badaladas dos sinos.<br />

Em todas as páginas do seu livro,<br />

Moura Santos, nos conta com detalhes<br />

do imaginário do Gaveteiro, nos leva a<br />

antiga Vila do Carmo, para mostrar, a<br />

grandeza das nossas tradições culturais<br />

e históricas. O autor não se adstringe<br />

ao campo do imaginário ou “do que se<br />

ouviu dizer”, mas sabe pôr-nos em<br />

contato com a História como em “O<br />

Santo da Cidade”, falando de São<br />

Roque. O leitor vai saber o que é a<br />

Ponte de Areia e o que são “Os<br />

Gaveteiros”.<br />

LENDAS MARIANENSES é um livro<br />

para ser lido e relido, para ser meditado<br />

e respeitado, porque ele é um depoimento<br />

sobre um tempo e sobre um<br />

povo; é um documento para o estudo da<br />

nossa história; é uma demonstração do<br />

valor e do sentimento de um escritor<br />

atento ao passado e observador do<br />

futuro.<br />

Igreja de São Pedro Mariana - acervo Marezza Photo


Vitor Gomes<br />

“A história não se repete. Faz-se com os pequenos fatos. Não há quem a livre de fantasias. As<br />

lendas até dão-lhe uma certa beleza. As lendas fazem bem à imaginação popular. Expurgá-las<br />

da História é fazer desta um campo árido, monótono, mais indicado para os que padecem de<br />

insônia”.<br />

MOURA SANTOS


07<br />

Lendas Marianenses<br />

O Professor Waldemar de Moura<br />

Santos abre seu livro com o seguinte<br />

texto<br />

˝A primeira página deste I Volume das<br />

LENDAS MARIANENSES, dirá o leitor<br />

muito naturalmente: existem muitas<br />

lendas, mas de origem marianense<br />

como podem ser ou como foram descobertas,<br />

inventadas ou fantasiadas,<br />

jamais ouvimos dizer se existem ou<br />

não. É uma indagação que já ouvimos<br />

e, inquiridos várias vezes por estudiosos<br />

sinceramente interessados, tínhamos<br />

o prazer de lhes responder, afirmando<br />

que o nosso trabalho iria elucidar<br />

e satisfazer a curiosidade de todos<br />

que, tão amavelmente, se manifestaram,<br />

aconselhando-nos a enfeixar em<br />

livro os nossos despretensiosos trabalhos<br />

na imprensa, elaborados em horas<br />

disponíveis das agitações cotidianas da<br />

vida moderna, que exige o máximo<br />

dentro de poucos instantes.<br />

Não foram descobertas, nem inventadas<br />

ou simplesmente fantasiadas.<br />

A vida de uma avoenga terra, rica de<br />

tradições na imensidade histórica é<br />

inegavelmente toda impregnada de<br />

episódios memoráveis, desde o assoviador<br />

das ruas aos tipos excêntricos de<br />

tafuis e boêmios até o espírito filosófico<br />

dos menos iletrados e o fanatismo<br />

doentio de muitos encerram conclusões<br />

admiráveis para o estudo psicológico,<br />

crítico e analítico do meio, dos<br />

costumes e personagens que os cercam.<br />

Através dos capítulos alinhados neste<br />

primeiro volume, pode observar o leitor<br />

que o nosso objetivo colimado não foi<br />

descobrir, inventar ou fantasiar.<br />

Rigorosamente fizemos um trabalho<br />

simples, sem pretensões literárias,<br />

tecido em torno de acontecimentos<br />

reais, ao qual aliamos com dispositivo<br />

original os fatos à ficção históricolendária<br />

para dar melhor colorido às<br />

narrações, comentadas e descritas<br />

com a lealdade máxima de não se<br />

afastar da ética ou dos planos numa<br />

ampla diretriz que nos traçou a fonte<br />

documental dos velhos arquivos da<br />

histórica urbes, célula-mater de Minas<br />

Gerais – MARIANA. História e Tradição<br />

Imagem selo posta - arte Cristiano Casimiro<br />

O Professor, escritor, historiadore jornalista Waldemar de Moura Santos foi colunistas de<br />

jornais como: “O Globo”, “ O Correio da Manhã”, “ O Estado de Minas” entre outros. “Escreveu<br />

vários livros, sendo destaque as “Lendas Marianenses” e ”Sessenta Tempos”. Membro<br />

daAssociação Mineira de Imprensa, Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais e<br />

Membro da Associação Mineira de Folclore. Foi o fundador da Academia Marianense de<br />

Letras e da Casa de Cultura de Mariana em 1962.A cultura popular é de suma importância<br />

para a construção da identidade de um povo, ou de uma civilização inteira.


08<br />

No Brasil, as primeiras criaturas consideradas monstruosas foram descritas ainda na<br />

época dos descobrimentos. Eram animais tropicais como o tatu e o gambá, que não se<br />

assemelhavam a nenhum animal conhecido pelos europeus. Afonso Taunay cita em<br />

Zoologia Fantásticado Brasil (1917) a existência de morcegos gigantes em várias partes<br />

das Américas: “Tremiam os pobres filhos das selvas com a ideia do encontro desses<br />

imensos vampiros que ainda por mal de pecados dos nossos desprotegidos semelhantes<br />

viviam aos bandos e eram sobretudo agressivos.”<br />

Nos séculos seguintes aos descobrimentos, outros monstros foram criados com função<br />

definida: advertir e castigar. É o que afirma Julio Jeha, professor de Literatura da UFMG e<br />

organizador do livro Da fabricação de monstros (UFMG, 2009): “Na colônia, quando as<br />

pessoas nem sempre se enquadravam nas regras morais ditadas pela Igreja, as mulheres<br />

que se relacionassem com os padres eram ameaçadas de se transformarem em mulas<br />

sem cabeça”, explica. Para o professor Waldemar Moura Santos a expressão Mula sem<br />

Cabeça significa, na linguagem da gíria ou da tradição, Mulheres sem Juízo.<br />

Em Mariana várias grupos culturais estudam as lendas da cidade. Assim a cultura e a<br />

tradição são mantidas. Criada em 1986 a tradição de encenara a Procissão do Miserere ou<br />

Procissão das Almas na Semana Santa, surgiu do trabalho do Movimento Renovador de<br />

Mariana / Casa de Cultura e do Grêmio Cultural Folias Nossa."Nós realizamos pesquisas<br />

sobre os elementos tradicionais e folclóricos da sabedoria popular", explica a integrante do<br />

movimento e uma das coordenadoras Procissão das Almas, professora Hebe Maria Rola<br />

Santos coordenador do movimento Renovador.<br />

Mariana é um celeiro de causos, lendas e tradições é nosso dever a preservação e a<br />

transmissão destas cultura para as novas gerações. Completa a professora.<br />

Ilustração para cartaz Procissão das Almas 2011 - Cristiano Casimiro


09<br />

Emerson Camaleão<br />

Arte:Emerson Camaleão<br />

Outro grupo que mantém a tradição das<br />

lendas e dos mistérios sobrenaturais em<br />

Mariana é a ACAM -Associação dos<br />

Cassadores de Assombrações de<br />

Mariana, é um grupo liderados pelo<br />

professor Leandro Henrique dos Santos<br />

e com a participação do professor Mílton<br />

Brigoline e mais membros de, que se<br />

dedicam a estudar os fenômeno inexplicáveis<br />

e sobrenaturais em Mariana.<br />

Uma das mais famosas empreitada do<br />

grupo é a captura do lendário Caboclo<br />

D´agua. Para Brigoline :O próprio<br />

caboclo d'água pode ter surgido para<br />

estabelecer alguns limites. “A história é<br />

muito antiga, deve ter começado para<br />

evitar que as crianças tomassem banho<br />

no rio, porque é perigoso. Mas as<br />

pessoas foram espalhando os relatos.<br />

Elas são muito criativas e contam tudo<br />

com a maior certeza do mundo. Deram<br />

força à história”.<br />

Os rios do Brasil são cheios de histórias<br />

e lendas , o Caboclo D´àgua aparece em<br />

dezenas de regiões e é uma das mais<br />

famosas lendas dos ribeirinhos.<br />

Outras lendas de Mariana são: Mula<br />

sem cabeça, fantasma no Órgão da Sé<br />

(espirito que toca o órgão ) O fantasma<br />

do Capitão Jack, (fantasma que aparece<br />

na Mina da Passagem), A noiva do trevo<br />

de Furquim ( assombração que aparece<br />

na estrada entre Mariana e Ponte<br />

Nova),A serpente na igreja de São<br />

Pedro, Mãe do Ouro, Maria Sabão, O<br />

menino do Buraco de Sarilho etantas<br />

outras. A ACAM Associação de<br />

Caçadores de Fantasma e assombraç<br />

õ e s e s t á o r g a n i z a d o u m<br />

MONSTRUÁRIO (um dicionário sobre<br />

todos os fantasmas e assombrações de<br />

Mariana).par catalogar todsa as assombrações<br />

da cidade.


Mapa das Cortes, de 1749 - Fonte Espelhos do Mundo <strong>Revista</strong> Fapesp -O Mapa esta na Biblioteca Nacional


11<br />

A Jornada de Dom Frei Manoel da Cruz<br />

Em 1745, pela bula Candor Lucis Aeternae, do Papa Bento XIV, Mariana<br />

tornou-se o sexto Bispado do Brasil. Durante muitos anos o país contou<br />

com poucos Bispados, até meados do século XVIII tinham-se apenas os<br />

Bispados da Bahia (de 1555) Rio de Janeiro (1676), Olinda (1676),<br />

Maranhão (1677) e Pará (1719).<br />

Bispo do Maranhão, desde 1739, Dom Frei Manoel da Cruz, foi nomeado<br />

primeiro bispo de Mariana. A transferência de Dom Frei Manoel para<br />

Mariana foi uma promoção, Minas era uma das mais próspera das<br />

Capitanias da Colônia. Com 57 anos de idade, partiu de São Luís<br />

(Maranhão) no dia 03 de <strong>agosto</strong> de 1747. Recusou vir de barco pelo mar,<br />

até Rio de janeiro e depois seguindo para Minas. Escolheu fazer a viagem<br />

pelo interior do país, passando pelo interior do Maranhão, Piauí, Bahia e<br />

seguir o curso Rio São Francisco e Rio das Velhas até chega a sua<br />

diocese.<br />

Sua partida aconteceu com muito atraso, pois esperava uma mensagem<br />

vinda de Portugal através de navio e, também, por não possuir recursos<br />

suficientes para comprar cangalhas, selas e canastra para os animais da<br />

comitiva. Assim, trocou cabeças de gado por cavalos e não dispensou o<br />

serviço de escravos. A viagem foi longa e penosa, durou cerca de um ano<br />

e três meses, através de quatro mil quilômetros no interior do Brasil, terras<br />

quase nunca trilhadas por uma grande comitiva, a viagem foi marcada por<br />

sofrimentos e enfermidade. Até surgiram boatos de que o Bispo tinha<br />

morrido.<br />

O livro "O Pastor das Sombras” do escritor Luís Giffoni, conta a saga da<br />

viagem de Dom Frei Manoel da Cruz pelo interior do Brasil XVIII. “Minha<br />

idéia inicial era escrever uma história sobre a viagem do bispo e, através<br />

dela, mostrar um pouco daquele Brasil do século XVIII, mas acabei<br />

descobrindo que a figura humana do frei Manoel da Cruz era muito maior<br />

que a viagem.” Diz o autor.<br />

No “O Copiador de dom Frei Manoel da Cruz”, livro sobre as<br />

correspondências do bispo, organizado pela Prof (a) Maria José Ferro de<br />

Souza e o Mons. Flávio Carneiro Rodrigues, podemos entender a vida do<br />

primeiro Bispo de Mariana e a importância do da criação da diocese para a<br />

cultura, educação e formação do povo Mineiro. “De Mariana, irradiou-se<br />

para todos os horizontes mineiros o facho sagrado do Evangelho que<br />

civilizou, educou e engrandeceu a gente mineira. Em Mariana, se<br />

ergueram sólidos os umbrais da Religião Católica para os montanheses”<br />

aponta Mons. Flávio Carneiro Rodrigues<br />

A entrada solene do primeiro bispo ocorreu no dia 28 de novembro de<br />

1748, em brilhante solenidade, “O Áureo trono Episcopal, o bispo foi<br />

conduzido de liteira até a capela de São Gonçalo, onde era aguardado<br />

pelas principais autoridades da capitania e representantes dos bispados<br />

de São Paulo e do Rio de Janeiro. Aí se realizou a paramentação e, a<br />

seguir, a solene procissão até a catedral.<br />

A saga da viagem e da entrada triunfal em Mariana após treze mês de<br />

viagem foi descrita no livro Áureo Trono Episcopal, de 1749. Este é mais<br />

um personagem, que forjou a história de Minas e do Brasil, e que deve ser<br />

conhecido e respeitado.<br />

O traçado em vermelho no Mapa, página ao lado, tatrajeto feito pela comitiva de Dom<br />

Frei Manoel da Cruz na Viagem entre São Luis do Maranhão até Mariana nas Minas Gerais


Frontispício do livro Áureo Trono Episcopal, de 1749, que narra as<br />

suntuosas cerimônias celebradas para comemorar a criação do Bispado<br />

de Mariana e a viagem que o primeiro bispo fez do Maranhão até a<br />

cidade para assumir seu posto. Domínio público, Biblioteca Nacional<br />

Digital.


A Chegada a Mariana<br />

A entrada solene do primeiro bispo só se<br />

deu no dia 28 de novembro de 1748, em<br />

brilhante solenidade, considerada “a<br />

maior que já se viu em Mariana, pelo<br />

aparato de figuras e carros triunfantes e<br />

pelo concurso de gente que das mais<br />

longínquas paragens veio a ela assistir”.<br />

Nos oito dias que antecederam a cerimônia<br />

de entrada do bispo em Mariana,<br />

saíram por toda a capitania grupos anunciando<br />

as festas. De acordo com o relato<br />

do Áureo trono Episcopal, o bispo foi<br />

conduzido de liteira até a capela de São<br />

Gonçalo, onde era aguardado pelas<br />

principais autoridades da capitania e<br />

representantes dos bispados de São<br />

Paulo e do Rio de Janeiro. Aí se realizou a<br />

paramentação e, a seguir, a solene<br />

procissão até a catedral. O bispo montou<br />

num cavalo branco, todo coberto com<br />

tecido adamascado, guarnecido de galão<br />

e franjas de ouro. Abrindo o cortejo,<br />

vinham dois guiãos de irmandades. A<br />

seguir, um carro triunfante com inscrições<br />

latinas exaltando as virtudes do novo<br />

bispo. Nesse carro vinham doze músicos<br />

que cantavam homenageando a chegada<br />

do bispo à cidade de Mariana. Em<br />

sequência, vinham onze figuras montadas<br />

em cavalos ricamente ornados. Cada<br />

cavaleiro era acompanhado por dois<br />

pajens, primorosamente trajados. Logo<br />

após entrava a dança de carijós, isto é,<br />

mestiços, que dançavam ao som de<br />

tambores e flautas tocadas por índios.<br />

Depois, vinha acarroça imperial puxada<br />

por sete cavalos. Na carruagem havia um<br />

grande dossel de damasco carmesim e<br />

nela estava um jovem vestido com capa<br />

pontifical e tiara de pedras preciosas,<br />

sentado em um trono exuberante. O<br />

figurante, que imitava o bispo, levava na<br />

mão direita uma cruz de ouro com oito<br />

palmos de comprimento e, na mão<br />

esquerda, um cálice e duas chaves<br />

pendurada em cordões de ouro. Na parte<br />

posterior da carruagem elevava-se um<br />

escudo com as armas e brasões da<br />

família de Dom Frei Manoel da Cruz,<br />

juntamente com um chapéu episcopal<br />

coberto de borlas de ouro. Precedidos por<br />

seu estandarte, vinham os vereadores,<br />

13<br />

presididos pelo juiz de fora. Seguia o<br />

clero da diocese de Mariana e os cônegos<br />

das catedrais de São Luís do Maranhão e<br />

do Rio de Janeiro. No fim da procissão,<br />

vinha Dom Frei Manoel da Cruz, sob o<br />

pálio, guarnecido por uma companhia de<br />

infantaria que marchava em duas alas. O<br />

cortejo seguiu pela Rua Nova, atravessou<br />

a ponte de São Gonçalo, entrou pela Rua<br />

Direita e estacionou na praça, onde fora<br />

erguido um grande palanque com toldo de<br />

damasco carmesim. Nesse local, o bispo<br />

foi saudado pelo vereador mais velho. Ao<br />

chegar à catedral, foi cantado o Te Deum<br />

e seguiu-se o ritual previsto. Ao término,<br />

as ordenanças deram salvas de tiros e<br />

executaram as cortesias militares.<br />

Acompanhado pela nobreza e pelo povo,<br />

o bispo saiu da catedral e seguiu para o<br />

seu palácio. Inicialmente, Dom Frei<br />

Manoel se instalou na casa onde residiu o<br />

Conde de Assumar. As festividades<br />

estenderam-se pela noite adentro. No dia<br />

seguinte, houve novamente Ação de<br />

Graças na catedral, com toda a assistência<br />

das autoridades civis.


O Barão<br />

e as Minas<br />

200 anos da Carta Régia de 1817


16<br />

A presença Inglesa na Mineração no Brasil<br />

Desde a época dos descobrimentos de<br />

ouro aluvional pelos bandeirantes<br />

paulistas, no final do século XVII, fato que<br />

levaria à criação da Capitania de Minas<br />

Gerais, observa-se à dependência<br />

econômica, por parte de nossa metrópole<br />

(Portugal), da Inglaterra.<br />

O domínio inglês sobre Portugal era<br />

n o t á v e l , e a m p l i a - s e c o m o<br />

estabelecimento do Tratado de Methewen,<br />

ou dos Panos e Vinhos, assinado em 1703<br />

entre Portugal e Inglaterra, e que abriu os<br />

portos portugueses aos manufaturados<br />

ingleses, em troca da compra do vinho<br />

lusitano. Como este era menos vendido na<br />

Inglaterra do que os manufaturados<br />

ingleses em Portugal, os déficits<br />

portugueses foram pagos com o ouro<br />

brasileiro: o fluxo de ouro das Minas até a<br />

Inglaterra reflete a hegemonia comercial<br />

deste país sobre a economia portuguesa.<br />

Durante quase um século, o ouro extraído<br />

do solo pelos escravos sustentou o Estado<br />

português e, através do comércio entre<br />

Portugal e Inglaterra, favoreceu a<br />

prosperidade do capitalismo inglês: o ouro<br />

das Minas deixou buracos no Brasil, igrejas<br />

em Portugal e indústrias na Inglaterra.<br />

Assim, o Estado português monta na<br />

região mineradora um aparelho de<br />

fiscalização e de controle: é criada a<br />

Intendência das Minas (órgão que controla<br />

a mineração) e instituído o quinto (imposto<br />

de vinte por cento do ouro). Mais tarde, na<br />

tentativa de combater o contrabando do<br />

ouro em pó, são criadas as casas de<br />

fundição (onde o ouro era transformado em<br />

barras e quintado). Décadas depois, a<br />

derrama (determinação pela qual todo<br />

aquele que estivesse em atraso com os<br />

impostos teria seus bens confiscados pela<br />

Coroa portuguesa) aguça o ódio contra a<br />

dominação portuguesa (manifestada<br />

depois na Inconfidência Mineira).<br />

.<br />

No início do século XVIII, as Vilas Ribeirão<br />

do Carmo (Mariana) e Vila Rica (Ouro<br />

Preto), eram referrencia na extração do<br />

ouro de aluvião. entre as duas vilas o<br />

pequeno arraial de São Vicente em 1719<br />

( Passagem de Mariana), que se encontra<br />

entre as duas povoações.<br />

Por essa época, os mineiros que subiam os<br />

rios bateando os depósitos aluvionares,<br />

descobriram ouro em Passagem, para<br />

onde fluiu grande número de indivíduos<br />

que passaram a explorar as jazidas<br />

situadas no Morro de Santo Antônio, na<br />

fase áurea da mineração, entre 1729 e<br />

1756. A mão-de-obra era escrava era tão<br />

amplamente utilizada que em certa época,<br />

mais de 30 mil escravos povoaram as<br />

senzalas do referido Morro.<br />

No final do´século XVII e início do XIX, o<br />

ouro de aluvião nas Minas Gerais começou<br />

a ficar mais escasso, a coroa Portuguesa<br />

e os mineiros locais não tinham tecnologia<br />

para a prospecção de ouro em minas<br />

subterrâneas.<br />

Com a chegada da família real, em 1808,<br />

fugindo do exercito de Napoleão, o rei Dom<br />

João VI , edita uma Carta Régia no dia 12<br />

de <strong>agosto</strong> de1817 autorizando e<br />

aprovando. o estabelecimento de<br />

companhias de mineração na Capitania de<br />

Minas Gerais.<br />

Este documento mudou completamente a<br />

forma de minerar na capitania e trouxe as<br />

mais modernas tecnologias para região.<br />

.<br />

Dom João XVI - Biblioteca do Arquivo Nacional


17<br />

Carta Regia.-de 12 De Agosto De 1817<br />

Approva. o estabelecimento de companhias de mineração na Capitania de Minas Geraes, D.<br />

Manoel de Portugal e Castro, Governador e Capítão General da Capitania de Minas<br />

Geraes. Amigo. Eu El-Rei vos envio muito saudar. Havendo-me sido presente o estado de<br />

decadencia em que estão nessa Capitania os trabalhos das Minas de Ouro, tornando-se cada<br />

dia mais dispendiosos os serviços, não só porque ja se achão lavrados a maior parte dos<br />

terrenos, que eram faceis de trabalhar, porém ainda mais porque os Mineiros não possuem os<br />

conhecimentos praticos da mineração, que tão uteis teem sido em outros paizes onde ha minas de<br />

metaes de muito menor valor, as quaes, apezar desta grande differença, dão sufficientes lucros<br />

aos emprehendedores que as lavram : e querendo eu animar este importantíssimo ramo de<br />

industria e riqueza nacional, promovendo nessa Capitania a adopção do methodo regular da<br />

arte de minerar, e o uso das machinas de que se servem os Mineiros da Europa, por meio das<br />

quaes tem mostrado a experiencia que se obtem grandes resultados naquel- les trabalhos com<br />

pequena despeza, e com muito menor numero de braços do que são necessarios fazendo-se a<br />

mineração pelo methodo ordinario que se segue nessa Capitania: Hei por bem determinar, que<br />

ahi se formem Sociedades compostas de acções, com que poderão entrar quaesquer individuas<br />

que nellas quei- ram ser admittidos, cujos fundos habilmente empregadost debaixo da direcção<br />

de um Inspector Geral, pessoa intelligente na sciencia montanistica e metallurgica, que eu for<br />

servido nomear, serão applicados ao estabelecimento de lavras regulares e me- thodicas, por<br />

conta das mesmas Sociedades, as quaes lavras servirão, ao mesmo tempo, para instrucção<br />

publica, patentean- do-se assim aos habitante:b dessa Capitania as grandes vantagens que<br />

resultam do methodo scientifico dos trabalbosmontanisticos: e as mesmas. Sociedades se<br />

regularão pelos estatutos que com esta se vos remettem, assignados por Thomaz Antonio de<br />

Villa- nova Portugal, do meu Conselho, Ministro e Secretario de 42 CARTAS DE LEI<br />

A.LVAR.l:S DEClU~'I'OS !<br />

IX. Havendo Sua Magestade mandado vir de Allemanha, á custa da Sua Real Fazenda,<br />

diversos Mestres Mineiros, com o fim de ditrundir entre os seus vassallos o conheeimento dos<br />

trabalhos das minns, a alguns destes mestres permittirá Sua Magestade que sejam<br />

empregados em beneficio das sobreditas Sociedades, sendo sempre pr~gos á custa da Real<br />

Fazenda; e para ser indemnisada dessa e mais outras despezas que ella fizer em beneficio das<br />

Sociedades, reservr~r~se-hão os lucros correspondentes ao valor de uma acção, ou de duas<br />

acções para a Real Fazenda, segundo for a Sociedade composta de menor ou de mais de<br />

sessenta e quatro acções.<br />

Transcrição de parte da carta Régia de 12 de <strong>agosto</strong> de 1817 Este documento permitiu a<br />

abertura de empresas de mineração em Minas Gerais com participação estrangeira. também<br />

no documento há um empenho da corte de trazer tecnologia e mão de obra especializada da<br />

Alemanha.


Cronologia da Mineração no Brasil - Recorte<br />

de Região de Mariana em Minas Gerais<br />

1808. Transferência da Corte portuguesa para<br />

o Brasil, com a chegada da Família Real.<br />

Reaberta a estatal Real Extração de<br />

Diamantes, sob direção do Intendente Manuel<br />

Ferreira Câmara. Carta régia autoriza o<br />

Intendente Câmara a utilizar capital da Real<br />

Extração de Diamantes na construção de uma<br />

usina de ferro no Serro do Frio,<br />

em Morro do Pilar, Minas Gerais.<br />

- Criado por D. João VI o Real Gabinete de<br />

Mineralogia do Rio de Janeiro, com o Barão de<br />

Eschwege, também engenheiro alemão,<br />

chamado para o dirigir e ensinar aos mineiros<br />

técnicas avançadas de extração mineral.<br />

- Encontrado mercúrio no Tripuí, próximo a Vila<br />

Rica, Minas Gerais.<br />

1811. Eschwege chega a Minas e inicia em<br />

Congonhas do Campo os trabalhos de construção<br />

de uma fábrica de ferro, denominada de<br />

"Patriótica", empreendimento privado, sob a<br />

forma de sociedade por ações.<br />

- A usina de ferro de Eschwege produz em<br />

escala industrial.<br />

- Em Itabira do Mato Dentro (atual Itabira),<br />

Minas, pela primeira vez é extraído ferro por<br />

meio de malho hidráulico, com a ajuda do<br />

Barão de Eschwege, que inova a mineração de<br />

ouro brasileiro introduzindo os pilões hidráulicos<br />

na lavra do coronel Romualdo José<br />

Monteiro, em Congonhas do Campo.<br />

1815. Produzido ferrogusa pela primeira vez<br />

no Brasil, na fábrica de Morro do Pilar, construída<br />

pelo Intendente Câmara.<br />

18<br />

C r o n o l o g i a d a M i n e r a ç ã o n o B r a s i l :<br />

recorte de Região de Mariana em Minas Gerais<br />

Fonte:www.geologiadobrasil.com.br<br />

1817. Aprovados pelo Governo os estatutos<br />

das sociedades de mineração, que estabeleciam<br />

regras para a fundação das primeira<br />

companhias mineradora do Brasil, sugeridas<br />

por Eschwege.<br />

1819. Criada a primeira companhia de mineração,<br />

por Eschwege - a Sociedade Mineralógica<br />

para explorar o ouro da Mina de Passagem,<br />

nas proximidades de Mariana.<br />

1822. Proclamada a independência do Brasil,<br />

em 7 de setembro, por Dom Pedro, aclamado<br />

primeiro Imperador.<br />

1824. A noção de direito de pesquisa e lavra de<br />

jazidas minerais é introduzida na primeira<br />

Constituição do País<br />

1827. O engenheiro de minas Jean Monlevade<br />

estabelece importante fábrica de ferro no<br />

distrito de São Miguel do Piracicaba.<br />

1828. Organizada a General Mining<br />

Association, com quatro minas, em São José<br />

del'Rei (atual Tiradentes).<br />

1830. A Saint John d'EI Rey Mining Company<br />

instala-se em São João del Rei.<br />

1832. A Brazilian Gold Company é implantada<br />

em Itabira do Campo (atual Itabirito) explorando<br />

a mina de Cata Branca. O fim do monopólio<br />

real desencadeia um novo boom na produção<br />

de diamantes. Bernardo Pereira apresenta<br />

projeto de lei para a criação de uma escola de<br />

Geologia, Mineralogia e Metalurgia em Minas<br />

Gerais.


19<br />

1833. Publicado em Berlim o livro Pluto<br />

Brasiliensis, do Barão de Eschwege, uma<br />

contribuição importante para a mineração e a<br />

geologia no Brasil. Em Cocais, Minas Gerais, é<br />

fundada a National Brazilian Mining<br />

Association.<br />

1834. Fundada a Serra da Candonga Gold<br />

Mining Company, no distrito de São Miguel e<br />

Almas (pertencente ao atual Município do<br />

Serro), Minas Gerais. A Saint John d'El Rey<br />

transfere-se para a mina Morro Velho (no atual<br />

Município de Nova Lima), Minas Gerais.<br />

1862. Criada a Santa Bárbara Gold Mining Co.,<br />

Ltd, com a finalidade de trabalhar a mina do<br />

Pari, no Rio Piracicaba, em Santa Bárbara,<br />

Minas Gerais.<br />

- Criada a Dom Pedro North d'El Rey Gold<br />

Mining Company, Ltd., para lavrar ouro em<br />

Morro Santa Ana, na Serra de Antônio Pereira,<br />

perto de Mariana, Minas Gerais.<br />

1863. Criada a Roça Grande Brazilian Gold<br />

Mining Company, Ltd., para explorar ouro<br />

perto de Caeté, Minas Gerais.<br />

1873. A Brazilian Consols Gold Mining<br />

Company, Ltd. obtém a propriedade de<br />

Taquara Queimada, no flanco da Serra de<br />

Ouro Preto, entre Mariana e Antônio Pereira,<br />

Minas Gerais.<br />

1876. Fundada a Escola de Minas de Ouro<br />

Preto, em 12 de outubro, pelo francês Claude-<br />

Henri Gorceix.<br />

1887- Criada a Brazilian Gold Mines Company,<br />

Ltd., em Minas Gerais, que iria lavrar a mina da<br />

Descoberta, em Caeté.<br />

1881. W. C. Eutis apresenta análise da gibbsita<br />

de Mariana, Minas Gerais.<br />

1884. Criada a Ouro Preto Gold Mines of<br />

Brazil, Ltd., em Minas Gerais.<br />

- Henri Gorceix estuda a bacia do Fonseca,<br />

próximo a Ouro Preto, Minas Gerais.<br />

1888. O engenheiro Henrique Hargreaves<br />

menciona grandes camadas de manganês ao<br />

longo do ramal de Ouro Preto da Estrada de<br />

Ferro Central do Brasil.<br />

- O metalurgista. Gerspadier constrói o alto<br />

forno de Esperança, uma das primeiras siderúrgicas<br />

a funcionar no País, em Itabira do<br />

Campo (atual Itabirito) e Miguel Burnier, Minas<br />

Gerais.<br />

1889. Proclamada a República, em 15 de<br />

novembro, pelo Marechal ManueI Deodoro da<br />

Fonseca, primeiro Presidente do Brasil.<br />

Bilhete postal de 1892 endereçado ao Sr H. King smill superintendente da Minas<br />

Dom Pedro Goldem Mining Company , localizada no Morro Santana em Mariana MG


20<br />

O Barão de Eschwege<br />

Wilhelm Ludwig vonEschwege - Barão Eschwege - Imagem Arquivo Público Mineiro<br />

No início do século XIX, diante da diminuição<br />

da produção aurífera nas Minas<br />

Gerais, Dom João VI, então regente,<br />

determina a contratação de naturalistas e<br />

engenheiros estrangeiros para o estudo<br />

da mineralogia do país, com o propósito<br />

de se desenvolverem novas técnicas de<br />

extração do metal precioso. Neste contexto,<br />

em 1810, chega ao Brasil Wilhelm<br />

Ludwig vonEschwege, conhecido entre<br />

os mineiros como o Barão de Eschwege.<br />

Eschwege nasceu a 10 de novembro de<br />

1777, em Aue bei Eschwege, Hessen,<br />

Alemanha, filho de família aristocrática.<br />

Destinado à carreira militar, estudou na<br />

Universidade de Göttingen (1796-1799),<br />

tendo sido contemporâneo de Georg<br />

Heinrich von Langsdorff. Em Marburg<br />

tomou contato com a engenharia de<br />

minas, e tornou-se consultor em Clausthal<br />

e Richelsdorf, em 1801.<br />

Destinado à vida militar, a sua curiosidade<br />

intelectual levou-o a adquirir a formação<br />

académica eclética, característica da<br />

intelectualidade europeia do século XIX.<br />

Estudou direito, ciências naturais,<br />

arquitetura, ciência e economia política,<br />

economia florestal, mineralogia e<br />

paisagismo.


21<br />

Em 1802, Eschwege chega para Portugal,<br />

país onde permanece até 1810, ocupando<br />

o cargo de diretor de minas. Da sua experiência<br />

em Portugal, e das viagens de<br />

prospecção que empreendeu por todo o<br />

país, recolheu informação geológica e<br />

paleontológica, além de informação sobre<br />

técnicas de mineração e de administração<br />

das minas em Portugal e nas colónias,<br />

que lhe permitiram iniciar a publicação de<br />

diversas obras de carácter científico e<br />

integrar uma rede intelectual abrangente,<br />

que incluía, entre outros, sumidades como<br />

Goethe, Karl Marx e Alexander von<br />

Humboldt.<br />

Depois de ter trabalhado em Portugal, o<br />

barão de Eschwege seguiu em 1810 para<br />

o Brasil, a convite do príncipe regente D.<br />

João VI, para reanimar a decadente<br />

mineração de ouro e para trabalhar na<br />

nascente indústria siderúrgica. Foi ainda<br />

encarregado do ensino das ciências da<br />

engenharia aos futuros oficiais do exército<br />

e de continuar, agora naquele território, os<br />

seus trabalhos de exploração mineira e de<br />

metalurgia.<br />

Em 1810 foi criado pelo príncipe regente<br />

D. João o Real Gabinete de Mineralogia<br />

do Rio de Janeiro, sendo ele chamado<br />

para dirigi-lo e ensinar, aos mineiros,<br />

técnicas avançadas de extração mineral.<br />

Nesse mesmo ano Eschwege iniciou em<br />

Congonhas do Campo, Minas Gerais, os<br />

trabalhos de construção de uma fábrica de<br />

ferro, denominada de "Patriótica",<br />

empreendimento privado, sob a forma de<br />

sociedade por ações. Em 1811 sua<br />

siderurgia já produzia em escala<br />

industrial.<br />

No ano de 1812, em Itabira do Mato<br />

Dentro (atual Itabira), foi pela primeira vez<br />

extraído ferro por malho hidráulico, com a<br />

ajuda de Eschwege, que ali inovou a<br />

mineração de ouro introduzindo os pilões<br />

hidráulicos na lavra do coronel Romualdo<br />

José Monteiro de Barros, futuro Barão de<br />

Paraopeba, em Congonhas do Campo.<br />

Por sugestão de Eschwege, o Rei Dom<br />

João VI publica em 12 de <strong>agosto</strong> de 1817,<br />

Carta Régia que apresenta os estatutos<br />

das sociedades de mineração, que<br />

estabeleciam as bases para a fundação<br />

da primeira companhia mineira do Brasil.<br />

Em 1819. Criada a primeira companhia de<br />

mineração, por Eschwege: A Sociedade<br />

Mineralógica, para explorar o ouro da<br />

mina de Passagem, em Mariana.<br />

Nos campos da geologia e da mineralogia,<br />

empreendeu viagens de exploração das<br />

quais resultou uma vasta obra escrita de<br />

pesquisas geológicas e mineralógicas.<br />

Foram importantes suas expedições de<br />

exploração científica aos estados de São<br />

Paulo e Minas Gerais, o primeiro a<br />

assinalar a presença de manganês.<br />

Da obra escrita, publicada na Europa,<br />

sobressaem Pluto Brasiliensis (Berlim,<br />

1833) a primeira obra científica sobre a<br />

geologia brasileira, e Contribuições para a<br />

Orografia Brasileira.<br />

Com Francisco de Borja Garção Stockler,<br />

teve papel importante na estruturação do<br />

ensino nas áreas da matemática e da<br />

física na Academia Militar do Rio de<br />

Janeiro, escola militar criada por carta<br />

régia de 4 de dezembro de 1810, que<br />

iniciou atividades a 23 de abril de 1811, e é<br />

uma das instituições antecessoras da<br />

atual Academia Militar das Agulhas<br />

Negras e a primeira escola de engenharia<br />

no Brasil.<br />

Eschwege faleceu em Kassel-Wolfsanger,<br />

Hessen, na Alemanha ema 1 de fevereiro<br />

de 1855.<br />

O Barão de Eschwege residiu em Mariana<br />

no período da implantação da Sociedade<br />

Mineralógica em Passagem .Pelos<br />

registros sua moradia localizava-se nas<br />

cercanias do Bucão ( Hoje Bairro das<br />

Cabanas). O Bairro Cabanas possui este<br />

nome, pois no local onde havia a fazenda<br />

do Barão de Eschwege foi construído, em<br />

1978, um hotel chamado “Cabanas do<br />

Barão inn” , este hotel possuía chalés para<br />

hospedagem e um restaurante com<br />

shows noturnos. Posteriormente o hotel<br />

foi demolido e houve por parte do poder<br />

público a criação do bairro, que ganhou o<br />

nome do hotel.


O SANTO DA CIDADE


TAUMATURGO E<br />

BEM-AVENTURADO<br />

SÃO ROQUE<br />

Imagem interna da Igreja de São Francisco de Assis em Marina - Marezza Photo<br />

Através de licença concedida por D. Frei Manuel da Cruz, em 1761 a<br />

Ordem Terceira de São Francisco a inicia va da construção de sua<br />

própria igreja a obrai iniciada em 1762 e obedeceria ao risco de<br />

autoria do Padre Ferreira da Rocha, executado naquele ano. As<br />

obras de alvenaria ficaram sob a responsabilidade de José Pereira<br />

Arouca. Em fins de 1763 foi colocada a pedra fundamental.<br />

A Ordem Terceira de São Francisco de Assis, contando com 385<br />

membros a vos, nha a sua organização perfeita e modelar. Reza a<br />

lenda, que no final do século XVIII, a cidade de Mariana passou por<br />

uma grande peste.<br />

Segundo o historiador Waldemar de Moura Santos: “ As opulentas<br />

famílias da cidade foram a ngidas pela peste, que rondou e<br />

arrebatou os entes mais queridos do seu convívio, de um modo<br />

sinistro e pavoroso, revelam as crônicas da época. A vida paralisou,<br />

ante o pavor que emudeceu todas as bocas, para ceder lugar às<br />

lágrimas, às dores, ao gemido, ao luto. A morte visitou todos os<br />

lares, forçando aos estabelecimentos de ensino a cerrar suas portas<br />

e mudanças rápidas se verificaram, como a do Seminário-Menor,<br />

que perdeu três alunos, transferindo-se imediatamente para o<br />

Colégio do Caraça.”


24<br />

NOVENA DO<br />

TAUMATURGO E<br />

BEM-AVENTURADO<br />

SÃO ROQUE<br />

(Reverenciado em seu altar na capela da Venerável Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, em<br />

Mariana, Minas Gerais, no dia 16 de <strong>agosto</strong>)<br />

Revestido o sacerdote de alva, estola branca, cíngulo e capa de asperges, sai da sacristia com<br />

sete acólitos, todos eles devidamente paramentados com batinas vermelhas e cotas brancas;<br />

assim distribuídos: dois com ciriais acesos, que vão à frente, dois que o ladeiam, abrindo a sua<br />

capa pelos lados, mais dois com a naveta e o turíbulo e um último com a campainha (se puder<br />

usá-la). Ao chegar ao altar, onde vai rezar a novena, posto de joelhos, entoa em voz alta e clara:<br />

V. Aperi, Domine, os nostrum ad<br />

benedicendum nomem sanctum tuum:<br />

munda quoque cor nostr um ab<br />

omnibus vanis, perversis & alienibus<br />

cogitationibus; intellectum illumina,<br />

affectum inflamma, ut digne, attente ac<br />

devote hoc sanctum exercitium<br />

peragere valeamus, & exaudiri<br />

mereamur ante conspectum divinæ<br />

Ma gestatis tuæ. Per Christum<br />

Dominum nostrum. R. Amen.V. Abri,<br />

Senhor, os nossos lábios para bendizer<br />

o Vosso Santo Nome; purificai nosso<br />

coração de tudo que é vão e perverso e<br />

de todas as preocupações; iluminai a<br />

inteligência, fazei acender o afeto, para<br />

que dignamente, atentamente e<br />

devotamente, consigamos realizar este<br />

santo exercício e mereçamos ser<br />

atendidos diante da face de Vossa<br />

Divina Majestade. Por Cristo, Senhor<br />

N o s s o . R . A m é m . V. D e u s , i n<br />

adjutorium meum intende:<br />

R. Domine, ad adjuvandum me festina.V.<br />

Deus, vinde em meu auxílio.<br />

R. Senhor, vinde depressa ajudar-me.O<br />

coro ou a música se houver, responde,<br />

aqui e em outras partes.V. Gloria Patri<br />

& Filio & Spiritu Sancto.<br />

R. Sicut erat in principio & nunc &<br />

semper, & sæcula, sæculorum. Amen.V.<br />

Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito<br />

Santo.<br />

R. Assim como era no princípio, agora e<br />

A presente Novena foi restabelecida, principalmente, a partir da Collecção das novenas mais usadas na diocese de<br />

Marianna com approvação do Exm. e Revd. Sr. Bispo, D. Silvério Gomes Pimenta. 2 ed. Marianna: Typographia J. A. R.<br />

Moraes, 1897. p. 600-13.<br />

Capa da Novena de São Roque, projeto AS NOVENAS EM MARIANA<br />

do professor e historiado José Arnaldo Coêlho de Aguiar Lima, publicado em 2011. .


25<br />

A igreja da Ordem Terceira de São Francisco transformou em centro de<br />

orientação e refugio espiritual contra a peste. Em uma reunião para<br />

discu r o assunto e ver possíveis soluções mais de 180 terciários na a<br />

sessão, para debater o problema da defesa do povo, em face da<br />

calamidade pública. O Irmão Ministro Thomaz Florêncio Teixeira deu o<br />

seguinte relato:<br />

“Dormi e sonhei com o Santo Advogado contra a Peste, Fome e Guerra. Vi<br />

São Roque com o hábito franciscano, rosário e cordão e demais símbolos<br />

de peregrino. Ele percorria as ruas abençoando e curando os empestados.<br />

Creio, concluiu, que devemos, antes de tudo, trocar uma imagem do santo<br />

milagroso, que falta no altar de nossa igreja franciscana. O nicho está<br />

vazio, aguardando o venerando tular”.<br />

Presente reunião estava o Dr. Paulo de Souza Magalhães, notável clínico,<br />

que declarou ter a mesma visão do Irmão Ministro. Em vista de tão<br />

providencial sugestão, comprome a-se com os seus companheiros,<br />

Thomaz Gonçalves dos Santos e Braz Moreira de São Paio, adquirir na<br />

França a imagem de São Roque e doá-la à igreja da Ordem Terceira de São<br />

Francisco. A preciosa encomenda foi feita, sendo despachada de Paris,<br />

por via marí ma, até o Rio de Janeiro e, daí para Mariana, trazida em<br />

cargueiro de burro, cuidadosamente encaixotada.<br />

No dia 29 de fevereiro de 1770, pela manhã, os Irmãos Franciscanos a<br />

receberam, depois da espera de noventa dias, do Rio a Mariana. Na tarde<br />

desse mesmo dia foi a imagem benta e colocada no altar lateral, onde se<br />

encontra até hoje, iniciando-se a novena de penitência para aplacar o<br />

flagelo da peste na cidade de Mariana. No dia 9 de março do mesmo ano,<br />

saiu pela primeira vez à rua a suave, linda, majestosa e respeitável<br />

imagem de São Roque que, desde as 8 às 22 horas, percorreu toda a<br />

cidade, de ponta-a-ponta, notando em todo o percurso a preocupação do<br />

povo em demonstrar o seu fervor com preces e variadas penitências ao<br />

milagroso santo.<br />

Estava ins tuída oficialmente em Mariana a tradicional FESTA DE SÃO<br />

ROQUE. Em pouco tempo o flagelo cedeu e o amor, devoção e fervor a São<br />

Roque mul plicaram-se, trazendo a paz e a alegria em todos os lares.<br />

Faz, portanto, cento e noventa anos que se invoca e venera nesta cidade o<br />

glorioso Patrono da Paz, Saúde e Prosperidade da nossa católica<br />

população, que já o consagrou oficialmente como o SANTO DA CIDADE.<br />

É, verdadeiramente, pela fé e confiança, força moral que rege os des nos<br />

de um povo que o acompanha anualmente, prestando-lhe honras<br />

excepcionais de gra dão e cuja PROCISSÃO, a mais numerosa e<br />

concorrida de todas, bem atesta que São Roque é o maior, senão o mais<br />

querido Santo da Cidade!<br />

Texto baseado no artigo do Professor Waldemar de Moura Santos : O Santo da Cidade.


Professor<br />

José<br />

Arnaldo<br />

Imagem arquivo de família.


27<br />

Quatro anos sem o Professor José Arnaldo!<br />

Nos da <strong>Revista</strong> Mariana Histórica e<br />

Cultural prestamos uma pequena<br />

homenagem ao professor José Arnaldo,<br />

um gaveteiro de coração. Historiador e<br />

defensor do patrimônio cultural e artístico<br />

de Mariana.<br />

Com quem aprendemos a valorizar a<br />

história e a cultura de nossa terra.<br />

"Foi em um sábado às 9:00 horas da<br />

manhã. Ele acordou entusiasmado para<br />

ler o livro que havia comprado no Rio de<br />

Janeiro, de onde havia acabado de<br />

chegar de uma excursão com seus<br />

alunos. Iria ler para usar nas suas aulas,<br />

já que nem sonhava em aposentar-se.<br />

Mas tinha outra excursão com os alunos<br />

para São Paulo, na semana seguinte: o<br />

final de semana seria usado na<br />

preparação dessa nova viagem e de suas<br />

aulas. E foi assim, em um momento de<br />

descanso, entre uma viagem e outra para<br />

a instrução dos seus alunos, que ele fez a<br />

sua própria viagem. Foi aposentado, por<br />

determinação da natureza, que sabia que<br />

ele não cumpriria nenhuma outra ordem<br />

para deixar de ensinar.<br />

José Arnaldo Coelho de Aguiar Lima<br />

(Divinópolis, 24/02/1956 - Mariana,<br />

10/08/2013) foi historiador e professor da<br />

Universidade Federal de Ouro Preto, por<br />

mais de três decádas. Radicado em<br />

Mariana desde 1981, tornou-se um<br />

profissional de referência para a história<br />

da arte, principalmente mineira, tendo<br />

publicado vários livros e realizado<br />

projetos de grande interesse cultural na<br />

região. Talvez tenha sido a maneira<br />

paterna e sempre firme com a qual José<br />

Arnaldo cuidava de seus alunos,<br />

especialmente em Mariana e Ouro Preto<br />

( e J o ã o P e s s o a , o n d e t a m b é m<br />

desenvolveu vários projetos), que forçou<br />

a coincidência de celebrarmos hoje, em<br />

pleno Dia dos Pais, um ano de seu<br />

falecimento.<br />

Uma das grandes contribuições de José<br />

Arnaldo ao patrimônio musical mineiro e<br />

brasileiro foi a negociação que resultou<br />

no salvamento do que é hoje o Arquivo<br />

Histórico Monsenhor Horta, transferido<br />

para o Instituto de Ciências Humanas e<br />

Sociais da UFOP, em Mariana, no ano de<br />

1 9 9 3 . E s s e a r q u i v o c o n t é m u m<br />

expressivo volume de música sacra e de<br />

música para banda, e vem auxiliando os<br />

musicógos na longa tarefa de integração<br />

do passado musical brasileiro à vida<br />

atual. O próprio José Arnaldo conta,<br />

neste texto, a história dessa localização e<br />

de seu tratamento, feito na mesma sala<br />

em que ele aparece nesta foto em 2003,<br />

quando apresentou o presente trabalho,<br />

10 anos após a localização do arquivo e<br />

10 anos antes do seu falecimento.<br />

Nestes últimos 10 anos, o Professor José<br />

Arnaldo estava trabalhando em um livro<br />

sobre o pintor marianense Manuel da<br />

Costa Ataíde (1762-1830), com mais de<br />

200 documentos inéditos sobre o artista,<br />

que, por coincidência, morou na mesma<br />

rua que José Arnaldo, dois séculos antes.<br />

Sua querida esposa Josanne, que aqui<br />

chamamos carinhosamente de Keka,<br />

está trabalhando para completar o livro,<br />

com vistas à sua publicação.<br />

Sua lembrança está em todas as ruas de<br />

Mariana, especialmente na Praça Gomes<br />

Freire (o “Jardim” de Mariana), onde<br />

ocorriam seus simpósios e aulas extraacadêmicas.<br />

Valeu, Zé Arnaldo, fique<br />

tranquilo em sua viagem, que a gente vai<br />

cuidando do patrimônio histórico aqui<br />

embaixo! Será bem mais fácil, depois de<br />

tudo o que você nos deixou! "<br />

Texto: Josinéia Godinho

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