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Revista Outubro 2018

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<strong>Outubro</strong> <strong>2018</strong><br />

Mariana<br />

<strong>Revista</strong> Histórica e Cultural


A Mariana - <strong>Revista</strong> Histórica e Cultural é<br />

uma publicação eletrônica da Associação<br />

Memória, Arte, Comunicação e Cultural de<br />

Mariana. O periódico tem o objetivo divulgar<br />

artigos, entrevistas sobre a cidade de Mariana.<br />

A revista é uma vitrine para publicação de trabalhos<br />

de pesquisadores. Mostrar a cultura de uma<br />

forma leve, histórias e curiosidades que marcaram<br />

estes 321 anos da primeira cidade de Minas.<br />

Mariana - <strong>Revista</strong> Histórica e Cultural <strong>Revista</strong><br />

Belas Artes é um passo importante para a<br />

divulgação e pesquisa de conteúdos sobre a<br />

cidade de Mariana. Esperamos que os textos<br />

publicados contribuam para a formação de uma<br />

consciência de preservação e incentivem a<br />

pesquisa.<br />

Os conceitos e afirmações contidos nos artigos<br />

são de inteira responsabilidade dos autores.<br />

Colaboradores:<br />

Prof. Cristiano Casimiro<br />

Prof. Vitor Gomes<br />

Agradecimentos:<br />

Arquivo Histórico da Municipal Câmara de Mariana<br />

IPHAN - Escritório Mariana<br />

Arquivo Fotográfico Marezza<br />

Museu da Música de Mariana<br />

Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana<br />

Fotografias:<br />

Cristiano Casimiro, Vitor Gomes, Anna Malaco. Cássio Sales e<br />

Arquivo Marrrezza - Marcio Lima<br />

Diagramação e Artes: Cristiano Casimiro<br />

Capa: Arte Cóloquio de Arquivos- cristiano Casimiro<br />

Associação Memória Arte Comunicação e Cultura<br />

CNPJ: 06.002.739/0001-19<br />

Rua Senador Bawden, 122, casa 02


Indice<br />

Os Arquivos de Mariana: Guardiões da Memória<br />

Arquivo Histórico da Casa Setecentista de Mariana<br />

Universalizar acervo e visibilizar às experiências negras<br />

nos territórios de mineração (Mariana, MG)<br />

Uma pequena História do Arquivo Histórico da Câmara<br />

Municipal de Mariana.<br />

Criando uma nova coluna de pesquisa: Um recente trabalho no<br />

AHCSM-IPHAN/MG<br />

Livro de Inventários da Catedral de Mariana<br />

Salomão de Vasconcelos<br />

04<br />

10<br />

14<br />

18<br />

20<br />

30<br />

32


Vitor Gomes - Museu da Música de Mariana<br />

Foto: Cristiano Casimiro


OS ARQUIVOS DE MARIANA:<br />

GUARDIÕES DA MEMÓRIA<br />

Quatro arquivos, um museu com acervo<br />

dedicado a música, milhares de documentos,<br />

quilômetros em papéis, três séculos de<br />

história.<br />

Tão antigo quanto a própria cidade e suas<br />

instituições são seus documentos.<br />

Mas como nasce e se forma um arquivo?<br />

Um arquivo é formado por documentos e<br />

esses são produzidos pelas instituições ou<br />

pessoas no exercício de suas funções. A<br />

primeira instituição presente na ainda<br />

freguesia de Nossa Senhora do Carmo foi a<br />

igreja, através de uma Paróquia (1706?).<br />

Depois veio a Câmara, instalada em 8 de<br />

abril de 1711. Com isso, a freguesia se<br />

transformou em Vila e ganhou certa autonomia<br />

administrativa e jurídica. Era responsável<br />

pelas questões relativas a ocupação do<br />

solo, controle do comércio, cobrança de<br />

certos impostos. Em 1745 foi instalada a<br />

Diocese de Mariana.<br />

Documento não é apenas aquilo que é<br />

oficial. Para os historiadores, documento é<br />

tudo aquilo que informa sobre o passado de<br />

um povo ou pessoa. Assim, um bilhete ou<br />

um fragmento de uma carta é um documento.<br />

É sabido que o ouro, extraído ao longo de<br />

toda a serra do Espinhaço, proporcionou à<br />

região uma economia e uma sociedade com<br />

características próprias: mais urbanizada,<br />

mais diversificada e populosa. Não obstante,<br />

as instituições mais importantes na<br />

estrutura social da época, também se<br />

fizeram presentes: a Igreja e o Estado e,<br />

justamente, nessa ordem. Toda esta efervescência,<br />

inicialmente se fazia dentro de<br />

um certo caos. Com o crescimento da então<br />

freguesia de Nossa Senhora do Ribeirão do<br />

Carmo, foram sendo constituídos aparatos<br />

burocráticos capazes de garantir a legalidade<br />

e a “boa ordem social”. É neste contexto<br />

que se cria, em 1711, a Câmara de Mariana.<br />

A partir daí, a presença do Estado foi se<br />

intensificando, chegaram as Casas de<br />

Captação (hoje, equivalente a coletorias de<br />

impostos), os juízes de fora, os Cartórios<br />

Notoriais etc. Aqui, a Câmara era a instituição<br />

máxima do poder temporal. Era responsável<br />

pelas questões administrativas, como<br />

por exemplo, a ocupação e uso dos espaços<br />

públicos, expedição de patente para exercício<br />

de profissão, controle do comércio,<br />

cadeia etc. Era igualmente responsável<br />

pelas questões de justiça. A sociedade, por<br />

sua, vez também criava suas instituições<br />

que funcionavam como uma espécie de<br />

elo/coesão social entre os indivíduos. É o<br />

caso das Irmandades e Ordens Terceiras<br />

Religiosas. Como Mariana passou a ser<br />

sede de bispado a partir de 1745, aqui ficava<br />

sua sede administrativa, a cúria diocesana,<br />

com o seu Cabido e o Tribunal Eclesiástico.<br />

O fato é que essas instituições, no exercício<br />

de suas funções, geraram significativo<br />

acervo de documentos que foram guardados<br />

para fins de prova. O tempo passou e<br />

por sorte ou cuidado, sobreviveram até os<br />

dias de hoje.<br />

A partir de 1930, com a separação dos<br />

poderes legislativo e executivo, nascia uma<br />

nova instituição no município: a Prefeitura.<br />

Todas as funções relacionadas ao controle e<br />

uso dos espaços públicos e execução das<br />

políticas públicas municipais passaram a ser<br />

desempenhadas pelo executivo.<br />

O fato é que três grandes conjuntos documentais<br />

foram acumulados ao longo do<br />

tempo: um administrativo, um judiciário e<br />

outro religioso.<br />

Hoje, esses documentos que naquela época<br />

nasceram com funções administrativas e/ou<br />

jurídicas, civis ou religiosas, por serem<br />

antigos, datados dos séculos XVIII, XIXe XX<br />

ganharam outro valor: o cultural e o científico.<br />

Isso significa que a cidade possui um<br />

patrimônio que é único, depositado em<br />

quatro grandes arquivos: O Arquivo<br />

Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana,<br />

que guarda a documentação eclesiástica, o<br />

Arquivo Histórico da Câmara Municipal de<br />

Mariana, que guarda a documentação<br />

administrativa relacionada a todo o Termo<br />

da Cidade de Mariana, o Arquivo Histórico<br />

05


Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana<br />

Foto: Arquidiocese de Mariana


da Casa Setecentista de Mariana, que guarda<br />

a documentação judiciária do Termo de<br />

Mariana, e posteriormente, Comarca de<br />

Mariana e o Arquivo da Prefeitura de Mariana,<br />

que guarda a documentação administrativa<br />

municipal posterior a 1930.<br />

As riquezas desses acervos os tornam procurados<br />

por muitos pesquisadores brasileiros<br />

e brasilianistas, pois neles são encontrados<br />

as provas da existência de Mestre<br />

Athayde, Antonio Francisco Lisboa, o construtor<br />

Arouca etc. Sem esses documentos,<br />

como saberíamos que a população escrava<br />

era superior à população livre e que, embora<br />

a colonização fosse do europeu, a população<br />

era negra e mestiça? Como descobrir<br />

que o fausto da economia aurífera era falso?<br />

Como entender o processo de expansão<br />

da zona urbana da cidade? A cidade era<br />

melhor que hoje? Como reconhecer e se<br />

reconhecer na cultura de nossos antepassados!<br />

Desta forma, os arquivos são um tipo de<br />

instituição que guardam a memória da sociedade<br />

que o gerou.Os documentos são<br />

importantes porque são fontes de informação<br />

sobre a cultura, as relações sociais,<br />

econômicas, entre tantas outras possibilidades<br />

de pesquisa, tantas quantas nossa<br />

criatividade permitir. Os documentos, por<br />

tratarem de fatos e atos específicos de uma<br />

sociedade, pessoa, época, são únicos.<br />

Cada documento constitui uma unidade<br />

particular, mesmo que serial. Diferentemente<br />

dos livros de bibliotecas que são editados<br />

em maior quantidade de unidades. Quando<br />

deixamos um arquivo se perder, se deteriorar,<br />

queimar, jamais será substituído por<br />

completo, mesmo havendo cópias de segurança,<br />

simplesmente, por serem cópias. É<br />

como a queima das mais de 80.000 cobras<br />

do instituto Butantã, no ano de 2010. Muitas<br />

com mais de cem anos. A perda não foi calculada<br />

pelo número de cobras, mas pelo<br />

valor genético que elas representavam para<br />

a pesquisa no Brasil e no mundo. Assim são<br />

os arquivos, em especial os de Mariana,<br />

visto que guardam, não só informações<br />

sobre a cidade e seu povo, mas também de<br />

boa parte do Estado de Minas Gerais.<br />

Uma política de preservação da cultura de<br />

um povo e de seu patrimônio, não terá êxito<br />

se deixar de lado os arquivos. Um patrimônio<br />

edificado, não enseja em si valor apenas<br />

estético, mas dele nos interessa saber, também,<br />

quem o construiu, a técnica utilizada,<br />

os materiais, o valor financeiro, o tempo de<br />

execução, o seu significado para a comunidade<br />

etc. Muitas dessas informações terão<br />

de ser buscadas nos arquivos.<br />

Não existe arquivo morto. Um arquivo morre<br />

quando nós o matamos, por vontade, ou<br />

omissão. Assim disse um estudioso da<br />

arquivologia, em 1913, “o grau de civilidade<br />

de um povo se mede pela forma como cuidam<br />

de seus arquivos”. Disse isso, não por<br />

acreditar que é nobre cuidar das coisas antigas,<br />

por serem simplesmente antigas ou<br />

belas, mas por possuírem valor informativo<br />

de relevância para a cultura e a ciência. Ele<br />

não está preocupado em preservar o que<br />

ficou do passado como se fossem relíquias,<br />

exemplares de um tempo que não voltará.<br />

Não! Ele está preocupado também com o<br />

futuro.<br />

Os arquivos constituem um tipo de lugar tão<br />

importante quanto os museus. Preservá-los<br />

é necessário se queremos construir uma<br />

sociedade livre e democrática. Não há<br />

como edificar a liberdade e a democracia<br />

sem que todos tenham acesso à informação<br />

e ao conhecimento. Preceito tão importante<br />

que está definido na Constituição Brasileira,<br />

em seu artigo 5º, incisos XIV e XXXIII que<br />

tratam do acesso a informação e aos documentos<br />

públicos. Não há garantias de que<br />

os cidadãos tenham acesso à informação<br />

se os documentos não forem preservados<br />

ou estiverem inacessíveis. Cabe aos municípios<br />

a preservação da documentação<br />

pública municipal, é o que diz o parágrafo<br />

2º, do artigo 216, da Constituição Federal.<br />

Entretanto, uma pesquisa recente, feita<br />

pelo Conselho Nacional de Arquivos concluiu<br />

que apenas um por cento dos municípios<br />

brasileiros possuem arquivos.<br />

Maria José Ferro de Souza e Maria Tereza Gonçalves<br />

Arquivo do Museu da Música - Foto Paulo Castanha<br />

07


Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana<br />

Foto: Arquivo do Museu da Música de Mariana


Por que o número é tão baixo? Por duas<br />

razões maiores. A primeira é de ordem<br />

política. Não há política pública nos municípios<br />

para o setor. A maior parte dos investimentos<br />

que existem são com recursos do Estado<br />

ou da União, através das políticas de incentivo<br />

à cultura. A segunda é de ordem técnica.<br />

O Conselho Nacional de Arquivos considera<br />

arquivo somente aquelas instituições que<br />

desempenham suas funções tanto de custódia,<br />

como de preservação, de difusão de<br />

seus acervos e de gestão documental, como<br />

definido na lei federal de arquivos 8.159/91.<br />

Não significa que apenas um por cento dos<br />

municípios possuem documentação preservada.<br />

Significa que muitos municípios não<br />

tem nenhum tipo de política ou ação de<br />

preservação de seus documentos. Significa<br />

também que muitos municípios transferem a<br />

guarda de seus documentos à Casas de<br />

Cultura, Centros de Memória ou Fundações<br />

Culturais, para deles tomarem conta.<br />

A lei federal de arquivos aponta o contrário,<br />

responsabilizando diretamente o executivo<br />

municipal pela definição de uma política<br />

municipal de arquivos públicos e privados,<br />

pela criação e manutenção de um arquivo<br />

público municipal e organização de um<br />

sistema municipal de arquivos. Isso por duas<br />

razões óbvias. A primeira é ordem constitucional.<br />

O poder público não pode transferir a<br />

instituições culturais a responsabilidade de<br />

preservar e dar garantias legais aos documentos<br />

ali depositados. Os documentos<br />

públicos, mesmo que muito antigos, ainda<br />

servem como prova de direito. Um arquivo<br />

público é uma instituição que tem fé pública.<br />

Por outro lado, é a forma do arquivo ter<br />

acesso aos recursos do orçamento público. A<br />

segunda é de ordem conceitual. No Brasil,<br />

confundimos o conceito de arquivo. Não<br />

raro, transformamos os arquivos em espaços<br />

cuja função é quase exclusivamente de<br />

conservar os documentos antigos e disponibilizá-los<br />

aos consulentes. Por tal razão,<br />

esses espaços acabam se transformando<br />

em lugares de pouca importância no contexto<br />

da vida da instituição que gerou o documento<br />

e da própria comunidade. Um arquivo<br />

vivo, moderno, desenvolve seu trabalho ao<br />

longo das três idades dos documentos: a<br />

corrente, a intermediária e a permanente.<br />

José Geraldo Begname<br />

Graduado em História pela UFOP, Especialista em<br />

História pela Faculdade São Luís-Jaboticabal,<br />

Técnico em Conservação e Restauração pela FAOP.<br />

Professor de História e Gestor de Arquivos.<br />

Inauguração das Novas instalações do Arquivo<br />

Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana<br />

Foto: Arquidiocese de Mariana


Casa Setecentista de Mariana<br />

Foto: Cristiano Casimiro


Arquivo Histórico da<br />

Casa Setecentista de Mariana<br />

Em 1944 o Instituto Histórico e Geográfico<br />

de Minas Gerais (IHGMG) elaborou uma<br />

proposição para a concessão do título de<br />

Monumento Nacional para a cidade de<br />

Mariana. A proposta foi encaminhada para o<br />

então Serviço do Patrimônio Histórico e<br />

Artístico Nacional (SPHAN), atual Instituto<br />

do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional<br />

(IPHAN), que deliberou favoravelmente ao<br />

pedido no ano seguinte. Entre os argumentos<br />

do texto original da proposta que justificaram<br />

o reconhecimento da “cidade monumento”,<br />

a diretoria do IHGMG, -cujo proponente<br />

mais empenhadofoi o marianense<br />

Salomão de Vasconcelos -, destacoua<br />

relevância dos “preciosíssimos arquivos<br />

coloniais, civis e eclesiásticos” preservados<br />

na cidade.<br />

Não por acaso, além de ser reconhecidamente<br />

a“cidade monumento”,Mariana<br />

também é a“cidade arquivo”. A cidade é<br />

detentora de um patrimônio documentalinestimável<br />

preservado no Arquivo Histórico<br />

d a C â m a r a M u n i c i p a l d e M a r i a n a<br />

(AHCMM), Arquivo Eclesiástico da<br />

Arquidiocese de Mariana (AEAM), Museu<br />

da Música, Arquivo Contemporâneo da<br />

Câmara de Marianae Arquivo Histórico da<br />

Casa Setecentista de Mariana (AHCSM).<br />

O I Colóquio dos Arquivos Históricos de<br />

Marianaocorreu no dia 17 de agosto de<br />

<strong>2018</strong> no Museu da Música de Mariana.O<br />

objetivo do evento consistiu em promover o<br />

diálogo entre os representantes e os pesquisadores<br />

dos arquivos históricosmarianenses,<br />

bem como viabilizar a realização de<br />

ações conjuntas de preservação. A mesa<br />

Preservação dos Arquivos Históricos de<br />

Mariana: o papel das instituições, o papel da<br />

sociedade, contou com a participação das<br />

representações dos arquivos históricos de<br />

Mariana, entre eles do AHCSM.<br />

O AHCSM é custodiado pelo Instituto do<br />

Patrimônio Histórico e Artístico Nacional<br />

(IPHAN), desde 1948. O conjunto documental<br />

é composto por mais de 50 mil documentosque<br />

contemplam uma extensa região de<br />

Minas Gerais conhecida como Termo de<br />

Mariana, e um amplo recorte temporal,que<br />

abrange os anos de 1709-1956.<br />

A documentação é organizada em três<br />

fundos: Fórum de Mariana, Arquidiocese de<br />

Mariana e Câmara de Mariana. O fundo<br />

Fórum de Mariana é composto por processos<br />

crime, testamentarias, inventários postmortem,<br />

justificações, notificações,<br />

sesmarias, ações cíveis, execuções, cartas<br />

de alforrias, audiências, compras e vendas<br />

de escravos, fianças de criminosos, hipotecas,<br />

notas, procurações, querelas e registros<br />

de testamentos.No fundo Arquidiocese<br />

de Marianacontém livros de irmandades,<br />

livros de assentos de missas e receitas e<br />

despesas de capelas. Finalmente, integram<br />

o fundo Câmara de Mariana os livros de<br />

atas, livros de posturas, livro de distribuições<br />

de datas e águas minerais, livros de<br />

audiências e o primeiro livro da Câmara de<br />

Mariana.<br />

Entre 1948 a 1963 estes documentos foram<br />

armazenadosno edifício da Câmara de<br />

Mariana, quando a então Diretoria do<br />

Patrimônio Histórico e Artístico Nacional<br />

( D P H A N ) , a d q u i r i u a a t u a l C a s a<br />

Setecentista. Esta edificação do século<br />

XVIII compõe o patrimônio arquitetônico<br />

nacional e foi destinada para abrigar aquele<br />

que nas palavras do primeiro diretor do<br />

IPHAN, Rodrigo Melo Franco de Andrade,<br />

seria o “precioso acervo documental dos<br />

cartórios”.<br />

Desde 2005, o IPHAN em cooperação<br />

técnica com a Universidade Federal de<br />

Viçosa (UFV), realiza o projeto Digitalização<br />

e Acesso em Meio Digital dos Acervos dos<br />

Cartórios do 1º e 2º Ofícios conservados no<br />

AHCSM. A documentação pode ser acessada<br />

pelo Portal Acervos de Minas Gerais do<br />

Laboratório Multimídia de Pesquisa<br />

Histórica (LAMPEH) da UFV. Até o presente<br />

momento, todos os inventários post-mortem<br />

do Cartório do Primeiro Ofício encontram-se<br />

digitalizados e acessíveis através do Portal.<br />

11


Arquivo da Casa Setecentista de Mariana<br />

Foto: Arquivo Cássio Sales


Desde 2005, o IPHAN em cooperação<br />

técnica com a Universidade Federal de<br />

Viçosa (UFV), realiza o projeto Digitalização<br />

e Acesso em Meio Digital dos Acervos dos<br />

Cartórios do 1º e 2º Ofícios conservados no<br />

AHCSM. A documentação pode ser acessada<br />

pelo Portal Acervos de Minas Gerais do<br />

Laboratório Multimídia de Pesquisa<br />

Histórica (LAMPEH) da UFV. Até o presente<br />

momento, todos os inventários post-mortem<br />

do Cartório do Primeiro Ofício encontram-se<br />

digitalizados e acessíveis através do Portal.<br />

Devido a relevância do patrimônio documental<br />

arquivístico preservado no AHCSM<br />

para a memória de Minas Gerais e do Brasil,<br />

encaminhamos uma proposta de candidatura<br />

desse acervo para o Comitê Nacional do<br />

Brasil do Programa Memória do Mundo da<br />

Organização das Nações Unidas para a<br />

E d u c a ç ã o , a C i ê n c i a e a C u l t u r a<br />

(UNESCO). Os Acervos dos Cartórios do 1º<br />

e 2º Ofícios foram reconhecidos pelo<br />

Programa Memória do Mundo em <strong>2018</strong>.No<br />

dia 12 de dezembro, no Rio de Janeiro (RJ),<br />

o documento receberá o selo e certificado<br />

de patrimônio mundial da UNESCO. O<br />

Programa foi criado em 1992 para promover<br />

a preservação, o acesso e a divulgação do<br />

patrimônio documental de significância<br />

mundial, regional e nacional.<br />

No Brasil, o Comitê Nacional do Programa<br />

Memória do Mundo iniciou a sua atuação<br />

em 2007, e, desde então, 101 conjuntos<br />

documentais receberam o Registro<br />

Nacional. Destes, 5 acervos arquivísticos e<br />

1 bibliográfico encontram-se em Minas<br />

Gerais. Fazemos votos de que o conjunto<br />

documental custodiado pelo AHCSM contribua<br />

para a preservação, acesso e divulgação<br />

do patrimônio documental marianense.<br />

Em <strong>2018</strong> comemoramos os 70 anos de<br />

aniversário do AHCSM. Registramos a<br />

nossa gratidão a todos aqueles que se<br />

dedicaram a preservação desta documentação:<br />

Rodrigo M. F. de Andrade, Antônio<br />

Ferreira Morais, Maria das Dores Ferreira<br />

Morais, Kátia Spagolla Tavares Napoleão,<br />

João Antero dos Reis, e, principalmente, o<br />

nosso querido Cássio Vinício Sales, não<br />

fosse pelo empenho de todos vocês, certamente<br />

não teríamos acesso a este “preciosíssimo”<br />

acervo documental.<br />

Aline Nascimento Ribeiro<br />

Graduada em História- Universidade Federal de Viçosa<br />

Mestre em Patrimônio Cultural Paisagens e Cidadania –<br />

Universidade Federal de Viçosa<br />

13


Foto: Arquivo do Prof. Moacir Maias


Universalizar acervo e<br />

visibilizar às experiências<br />

negras nos territórios de<br />

mineração (Mariana, MG)<br />

O Núcleo de Pesquisa em História Econômica<br />

e Demográfica do Cedeplar da Universidade<br />

Federal de Minas Gerais associou-se à<br />

Vanderbilt University com o objetivo de preservação<br />

da documentação histórica sobre<br />

africanos e seus descendentes que habitaram<br />

o território de Minas Gerais, no interior do<br />

Brasil.<br />

Minas Gerais possuiu uma das maiores<br />

populações negras do país ao longo do século<br />

XVIII e XIX, na condição de escravizados e<br />

também de libertos e negros livres. O impacto<br />

da descoberta de metais preciosos no interior<br />

do Brasil, a partir do final do século XVII,<br />

atingiu a sociedade portuguesa e grandes<br />

parcelas do continente africano. Foi da chamada<br />

África Negra que veio o maior número<br />

de moradores para a nova região de mineração<br />

de ouro e diamante do passado brasileiro.<br />

Esta nova sociedade, em terras de garimpo,<br />

marcou-se pela diversidade étnica, pela<br />

presença de milhares de trabalhadores<br />

africanos e seus descendentes em situação<br />

de escravização e também de liberdade.<br />

Contudo, ainda, há poucos estudos que<br />

exploram as histórias de vida dessa significativa<br />

parcela da população de Minas Gerais.<br />

Inicialmente, o projeto tem como foco disponibilizar<br />

o precioso acervo dos livros de testamentos<br />

do território da primeira capital e<br />

cidade de Minas Gerais, Mariana. O acervo<br />

objeto da pesquisa-ação é um dos mais ricos<br />

corpos documentais sobre a experiência<br />

negra no passado colonial e imperial da região<br />

mineira. Como é de conhecimento dos especialistas<br />

em História do Negro no Brasil, a<br />

documentação sobre esses atores sociais<br />

muitas vezes foi produzida de maneira indireta,<br />

o que torna, ainda mais importante os<br />

testamentos produzidos por mulheres e<br />

homens negros relatando suas últimas vontades.<br />

Revelam, dessa maneira, hábitos, cultura<br />

material, parentesco e inserção social dessa<br />

parcela da população.<br />

Festa de Nossa Senhora do Rosário em Padre Viegas - Mariana - Mg - 2017.<br />

15<br />

A série de Livros de Testamentos de Mariana<br />

integram o precioso acervo do Arquivo<br />

Histórico da Casa Setecentista de Mariana,<br />

instituição pertencente ao Instituto do<br />

Patrimônio Histórico e Artístico Nacional<br />

(IPHAN). Mariana surgiu no final do século<br />

XVII na corrida do ouro e tornou-se a primeira<br />

povoação mineira com sede administrativa<br />

instalada pela Coroa Portuguesa em 1711.<br />

Acolheu os primeiros governadores que<br />

habitaram o território e a partir de 1745 tornouse<br />

a capital eclesiástica de Minas Gerais.<br />

O projeto tem por objetivo dar visibilidade às<br />

experiências negras do passado que marcaram<br />

a realidade de extenso território de Minas<br />

Gerais. Por exemplo, em 1781, a africana<br />

Francisca da Conceição revelou como, pelo<br />

seu trabalho e indústria, conseguiu conquistar<br />

a liberdade após ser escravizada e enviada da<br />

Costa da Mina para o Brasil. Posteriormente,<br />

se instalou no então Arraial de Bento<br />

Rodrigues, em Mariana, no qual se tornou<br />

proprietária de uma estalagem que também<br />

era um pequeno comércio. No seu testamento,<br />

registrou que comprava produtos da cidade<br />

do Rio de Janeiro para abastecer seu pequeno<br />

empório/hospedaria. Para cuidar de seus<br />

negócios, contava com os trabalhadores<br />

Sebastião, Damião e Matheus Angola, além<br />

de Felizarda e Maria Mina - todos africanos<br />

como sua senhora. Sua casa, como muitas<br />

outras, era uma pequena África no coração de<br />

Minas Gerais. Francisca da Conceição tornou-se<br />

destacada devota de São Benedito<br />

ocupando os cargos de juíza e Rainha. Ela<br />

desejou que sua última morada fosse a tumba<br />

de São Benedito na Capela de São Bento do<br />

Arraial de Bento Rodrigues. Outro africano,<br />

que passou a se registrar como Inácio<br />

Fagundes, morador na sede da Vila do Carmo<br />

(atual Mariana), deixou a escravidão após<br />

comprar a sua liberdade por elevada soma.<br />

No seu testamento, escrito em 1732, registrou<br />

que além de ser chefe do seu domicílio, era<br />

proprietário de parte de uma mina de ouro na<br />

vizinha localidade de Vila Rica.


Foto: Arquivo do Prof. Moacir Maias<br />

Igreja NS do Rosário de Padre Viegas - Marezza PHOTO


Em sua casa, viviam, ainda, sua esposa,<br />

mais cinco africanos com filhos, no total de<br />

onze membros.<br />

Durante a primeira etapa do projeto,<br />

inventariamos todos os 84 códicescontendo<br />

testamentos do ano de 1716 até 1949,<br />

uma importantíssima série documental.<br />

Contamos com um banco de dados, com<br />

as informações gerais de cada códice,<br />

com mais de 8.000 indivíduos listados,<br />

entre testadores (4.294) e seus testamenteiros.<br />

A construção do banco de dados e<br />

seu preenchimento foi fundamental tanto<br />

para a localização geral dos indivíduos,<br />

quanto para a identificação de mulheres e<br />

homens negros que deixaram seus testamentos<br />

registrados.<br />

Posteriormente, com a identificação dos<br />

testadores negros, empreendemos leitura<br />

minuciosa de 281 testamentos manuscritos.<br />

Construímos um banco de dados da<br />

população negra testadora, com informações<br />

detalhadas sobre cada indivíduo:<br />

relações familiares; relações de trabalho;<br />

suas casas; outras propriedades; e seu<br />

p a p e l a s s o c i a t i v o n a s o c i e d a d e .<br />

Importante, enfatizar, que número significativo<br />

desses atores sociais eram africanos,<br />

o que possibilitará a produção de<br />

estudos variados sobre àqueles que<br />

nasceram em outro continente e vivenciaram<br />

a diáspora para as Américas.<br />

Vivenciaram tanto a escravidão, quanto a<br />

liberdade. Temos, então, valioso conjunto<br />

de dados que será disponibilizado, juntamente,<br />

com o acervo digital da documentação.<br />

Informações sobre pessoas negras<br />

chefes de domicílios ao longo de três<br />

séculos.<br />

O nosso trabalho, após a realização das<br />

etapas anteriores, deteve-se no processo<br />

de digitalização dos 84 livros de testamentos.<br />

A digitalização da referida documentação<br />

colaborará para a preservação da<br />

preciosa coleção e, particularmente,<br />

assegurará a existência de um registro<br />

digital da mesma. Foi digitalizada toda<br />

série documental que cobre o período que<br />

vai de 1729 a 1956. O processo de digitalização<br />

produziu mais de 45 mil imagens<br />

nos formatos RAW e JPG.<br />

O projeto contou inicialmente com o apoio<br />

do edital “Preservação e acesso aos bens<br />

do patrimônio Afro-Brasileiro” promovido<br />

pelo Minc e pela UFPE.<br />

A universalização dessa preciosa documentação,<br />

sobre parcela da população<br />

negra do passado, contribuíra para a<br />

ampliação dos estudos e produção de<br />

conhecimento em múltiplo níveis. Essa<br />

ação também se insere no amplo contexto<br />

de promoção e efetivação da lei brasileira<br />

10.639/03 – ensino da História da África e<br />

da Cultura Afro-brasileira.<br />

Moacir Rodrigo de Castro Maia<br />

Historiador, doutor em História Social/UFRJ e<br />

coordenador do projeto.


Projeto Arquivo Aberto<br />

Foto: Ana Malaco


Uma pequena História do<br />

Arquivo Histórico da Câmara<br />

Municipal de Mariana.<br />

O sistema de governo municipal baseado<br />

nas câmaras foi legalmente fixado para<br />

Portugal e seus domínios no ano 1504. Em<br />

geral, a câmara era a sede administrativa,<br />

executiva e a primeira instância jurídica<br />

dedicada ao governo do termo concelhio.<br />

Para desempenhar essas tarefas, as<br />

câmaras contavam com uma série de<br />

funcionários, dentre eles destacavam-se o<br />

juiz ordinário ou juiz de fora, os vereadores e<br />

o procurador, eleitos entre os homens<br />

principais da terra com mais de 25 anos.<br />

Apesar da aparente padronização, as<br />

câmaras adequavam-se às contingências<br />

locais, o que implicava em configurações<br />

diversas em todos os cantos do Império<br />

português.<br />

As formas, as composições e as diferenças<br />

das câmaras são assuntos recorrentes na<br />

historiografia luso-brasileira, o que não<br />

afasta a necessidade de pesquisas que<br />

permitam comparações mais detalhadas do<br />

que há em comum e das especificidades<br />

desse órgão administrativo. Por mais óbvio<br />

que seja, vale pontuar que a condição de<br />

viabilidade desses estudos depende da<br />

preservação dos acervos camarários, como<br />

o Arquivo Histórico da Câmara de Mariana.<br />

Tomada a decisão de fundar a Vila do<br />

Ribeirão do Carmo, o Governador do Rio de<br />

Janeiro, Antonio Albuquerque Coelho de<br />

Carvalho, consultou os homens bons da<br />

localidade que, em 1711, “uniformemente<br />

ajustaram e concordaram que eles<br />

desejavam viver neste distrito como Vila em<br />

forma de república, sujeitos às leis e justiça<br />

de Sua Majestade”. Esta história é<br />

conhecida dos historiadores e dos<br />

marianenses em geral. Contudo, há muito a<br />

explorar além das datas e dos nomes. É<br />

significativo o uso do termo república, a<br />

sujeição às leis e à justiça, tal como figura na<br />

citação acima. Do mesmo modo, importa<br />

saber que governador recebeu dos<br />

vereadores eleitos o compromisso de<br />

arcarem com as despesas que envolvia a<br />

criação de uma Casa de Câmara, cadeia e o<br />

t e m p l o m a t r i z . E s s e s d e t a l h e s ,<br />

19<br />

aparentemente insignificantes, revelam que<br />

a ordem local dependia da convergência de<br />

interesses objetivando o “bem comum”. A<br />

história das origens da Câmara de Mariana<br />

ensina que a preocupação com coletividade<br />

deve servir de guia nas ações dos políticos,<br />

das autoridades cíveis e religiosas e de toda<br />

comunidade.<br />

Desde 1711, quando se funda a Vila do<br />

Ribeirão do Carmo, diversos documentos<br />

foram produzidos pela Câmara que, até<br />

1828, seria responsável por atividades que<br />

hoje reconhecemos como sendo atribuições<br />

do legislativo, executivo e judiciário. Parcela<br />

dessa riquíssima herança se perdeu pelo<br />

tempo e o que sobrou encontrava-se<br />

praticamente esquecido em um depósito<br />

contíguo à Câmara, até o ano de 1986.<br />

Nesta data, os historiadores José Guilherme<br />

Ribeiro e Ronald Polito, ex-professores do<br />

DEHIS-UFOP, recolheram, higienizaram e<br />

identificaram 809 volumes que encontravam<br />

no referido depósito. No ano de 1994, o<br />

acervo foi transferido ICHS-UFOP, em<br />

convênio firmado com a Câmara de<br />

Mariana. Dois anos depois, o ICHS recebeu<br />

cerca de 5000 documentos avulsos<br />

produzidos pela Câmara de Mariana entre<br />

os anos de 1711 e a década de 1980.<br />

Atualmente toda a documentação encontrase<br />

higienizada e bem conservada.<br />

Aproximadamente 30% do acervo ainda<br />

precisam ser identificados e organizados,<br />

tarefa que vem sendo executada por<br />

professores e alunos da UFOP, com o auxílio<br />

de dois funcionários da Câmara. Dentre os<br />

progressos na organização e preservação<br />

do Arquivo, cabe mencionar a digitalização,<br />

promovida pelo Arquivo Público Mineiro, dos<br />

809 volumes encadernados. A expectativa é<br />

que nos próximo ano os documentos<br />

digitalizados fiquem disponíveis à consulta<br />

virtual no Sistema de Informação do APM,<br />

democratizando ainda mais o acesso à<br />

informação.


No presente, o referido laboratório cuida de<br />

cerca de 8500 documentos avulsos, 809<br />

volumes encadernados e mais de 1300<br />

exemplares do Jornal Arquidiocesano. São<br />

documentos de extrema importância que<br />

nos contam sobre a história local e nacional<br />

nos séculos XVIII, XIX, XX. Essa<br />

documentação, bem como sua importância<br />

patrimonial e identitária, vem sendo<br />

conhecida pelos alunos das Escolas<br />

Municipais de Mariana por meio do projeto<br />

“Arquivo Aberto”. A inciativa conta com o<br />

apoio da Pró-Reitoria de Extensão e Pró-<br />

Reitoria de Graduação da Universidade<br />

Federal de Ouro Preto e da Secretária<br />

Municipal de Educação de Mariana.<br />

A manutenção da memória de Mariana<br />

depende de ações coletivas como as que<br />

vêm se desenvolvendo desde 1986. Cuidar<br />

desse legado secular é obrigação das<br />

instituições e dos cidadãos que herdam e<br />

transformam a realidade do tempo passado.<br />

Não obstante as ameaças e dificuldades<br />

o r ç a m e n t á r i a s , n ã o f a l t a r a m à<br />

r e s p o n s a b i l i d a d e o s p r o f e s s o r e s ,<br />

estagiários, alunos e funcionários que<br />

ajudaram a conservar e divulgar a História<br />

de Mariana. Venham conhecê-la!<br />

Prof. Dr. Álvaro de Araujo Antunes<br />

Coordenador do AHCMM; DEHIS-UFOP<br />

Projeto Arquivo Aberto<br />

Foto: Ana Malaco<br />

21


Casa Setecentista de Mariana<br />

Foto: Cássio Sales


Criando uma nova coluna de pesquisa:<br />

Um recente trabalho no AHCSM-IPHAN/MG<br />

O Processo de catalogação de um documento<br />

histórico requer uma serie de etapas<br />

e processo até ser disponibilizado para o<br />

pesquisador.<br />

Nas próximas páginas o pesquisador<br />

Carlos Orlando Osório do Arquivo Histórico<br />

da Casa Setecentista de Mariana ( IPHAN)<br />

irá nos mostrar todo o ciclo que o documento<br />

histórico percorre até se disponibilizado<br />

para a população.<br />

Com a chegada dos documentos no arquivo<br />

são executadas as seguintes etapas:<br />

1- Identificação;<br />

2- Higienização;<br />

3- Catalogação; e<br />

4- Disponibilização.


Documentos degradados pelo tempo


1- IDENTIFICAÇÃO<br />

Processo no qual se registra a data, “personagens” e outras informações importantes do documento<br />

e se analisa em qual tipologia arquivística vigente ele se enquadra.<br />

Uma minuciosa leitura da primeira folha pode levar-nos à identificação da data, pessoas envolvidas<br />

e tipo do processo, mas muitas vezes há necessidade de aprofundarmos nas páginas<br />

subsequentes para resgatar suas informações.<br />

24


1- HIGIENIZAÇÃO<br />

Geralmente os documentos chegam ao AHCSM, com um histórico de armazenamentos inadequados,<br />

com sérios níveis de degradação e/ou infestação, atingidos por pragas, fungos, umidade,<br />

oxidação etc. Depois de feita a identificação eles são tratados com técnicas que vão da<br />

simples limpeza até desinfestação por método atóxico (via congelamento<br />

Higienização (limpeza do documento)<br />

Desinfestação por método de Congelamento


Acondicionamento<br />

Capas: se elaboram capas com papel filiset neutro (papel sem resíduo ácido, resistente ao<br />

ataque de fungos e proliferação de bactérias de alta durabilidade de gramatura 68 g/m2) nas<br />

quais se registram a identificação do documento (Códice, Auto, N° de Oficio Data).<br />

Confecção de capas para os documentos<br />

Caixas: se montam caixas de plástico polionda pré-formadas que vão conter uma definida<br />

quantidade de autos (processos) que se denominam “códices”.<br />

Caixa de plástico polionda pronta para conter documentos


Caixas de papel cartão: cartão tríplex de gramatura 280 g/m2, são confeccionadas geralmente,<br />

para a preservação de livros ou documentos gravemente atingidos. Estas permitem uma alta<br />

porcentagem de isolamento do documento.<br />

Caixa pronta


CATALOGAÇÃO<br />

Em forma paralela ao passo anterior se constrói o catálogo que vai identificar Fundo, N° de<br />

Ofício, N° de Auto, Data e Pessoas envolvidas no processo. Sendo esta a mais importante<br />

informação para os usuários do acervo.<br />

Identificação e Catalogação<br />

Imagem do Catálogo<br />

27


DISPONIBILIZAÇÃO<br />

Depois de passar pelas etapas anteriores os documentos ficam em um armazenamento<br />

adequado e devidamente indexados para disponibilizá-los aos usuários.<br />

Atualmente temos já catalogados 1015 documentos dessa nova coluna de pesquisa que já<br />

fazem parte de nosso Acervo documental e, em breve, serão disponibilizados para os pesquisadores,<br />

um número ainda não quantificado de documentos no processo de identificação com um<br />

recorte cronológico que percorre o início do Séc. XVIII a primeira metade do séc. XX, com tipologias<br />

diversas, destacando-se: Inventários, Ações Civis, Execuções e também Solicitações de<br />

alistamento eleitoral.<br />

Carlos Orlando Osorio Osorio<br />

Pesquisador<br />

Colaborador do AHCSM-IPHAN/MG<br />

Imagens: Acervo do autor<br />

Foto:Vitor Gomes<br />

29


Sé de Mariana<br />

Foto: Cristiano casimiro


Livro de Inventários da Catedral de Mariana<br />

(1749-1904) fará parte do Registro Nacional do Brasil<br />

O Livro de Inventários da Catedral de<br />

Mariana (1749-1904) fará parte do Registro<br />

Nacional do Brasil do Programa Memória<br />

do Mundo da UNESCO. O livro foi<br />

selecionado pelo Comitê Nacional do Brasil<br />

do Programa Memória do Mundo da<br />

Unesco – MoWBrasil, que aprovou dez (10)<br />

candidaturas ao Edital MoWBrasil <strong>2018</strong>.<br />

Criado pela Unesco em 1992, o Programa<br />

Memória do Mundo da Unesco/Memory of<br />

the World – MoW reconhece como patrimônio<br />

da humanidade documentos, arquivos e<br />

bibliotecas de grande valor internacional,<br />

regional e nacional, inscrevendo-os nos<br />

registros e conferindo-lhes certificados que<br />

os identificam. Tendo como objetivo<br />

estimular a preservação e a ampla difusão<br />

desse acervo, o MoW facilita a preservação<br />

desses documentos e seu acesso, contribuindo,<br />

assim, para despertar a consciência<br />

coletiva para o patrimônio documental<br />

da humanidade.<br />

A proposta deste registro é do mestrando<br />

do Programa de Pós-Graduação em<br />

Estudos Linguísticos da Universidade<br />

Federal de Minas Gerais, Marcus Dores.<br />

Natural de Mariana, ele desenvolve pesquisas,<br />

no âmbito da linguagem, com o "Livro<br />

de Inventários da Catedral de Mariana<br />

(1749-1904)". Por meio da Linguística<br />

Histórica, o pesquisador debruça-se sobre<br />

o manuscrito para investigar um estágio<br />

pretérito da língua portuguesa.<br />

Em uma das etapas metodológicas da<br />

pesquisa, Marcus propõe a edição conservadora<br />

do Livro de Inventários. Essa etapa,<br />

além de permitir que o pesquisador realize<br />

suas investigações linguísticas, contribui<br />

também com a preservação do manuscrito<br />

original, que encontra-se arquivado no<br />

Arquivo Eclesiástico Dom Oscar de Oliveira<br />

(Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de<br />

Mariana).<br />

Segundo Marcos foi uma surpresa receber<br />

o resultado final. “No primeiro momento eu<br />

fiquei surpreso, pois eu conhecia outros<br />

bens que estavam participando do processo<br />

e sabia que eram acervos de maior<br />

número. Mas, eu estou trabalhando com<br />

este documento há dois anos e reconheço a<br />

importância deste manuscrito para a história<br />

de Mariana e de Minas Gerais, justamente<br />

por ele trazer o inventário da igreja<br />

sede do primeiro bispado do interior do<br />

país”, disse. Para arquivista e secretária do<br />

Arquivo Eclesiástico,Luciana Viana<br />

Assunção, essa conquista é muito significante<br />

e só ressalta a riqueza do documento.<br />

Todo o edital e processo foram autorizados<br />

pela Arquidiocese de Mariana. No dia 12 de<br />

dezembro, no Rio de Janeiro (RJ), o documento<br />

receberá o selo e certificado de<br />

patrimônio mundial da UNESCO.<br />

Fonte: Arquidiocese de Mariana


Salomão de Vasconcelos<br />

Salomão de Vasconcellos nasceu no dia 2<br />

de janeiro de 1877, na Fazenda S. João de<br />

Crasto, na cidade de Mariana. Foi herdeiro<br />

de uma das famílias mais ilustres dos<br />

primórdios de Minas Gerais, é filho de<br />

Francisco Diogo de Vasconcellos (irmão do<br />

a f a m a d o h i s t o r i a d o r D i o g o d e<br />

Vasconcellos) com D. Maria Madalena<br />

Vasconcellos. Seu tataravô foi Conselheiro<br />

J o s é J o a q u i m d a R o c h a , u m d o s<br />

personagens mais destacados da História<br />

do Brasil. Além destas figuras, destaca-se<br />

também Bernardo Pereira de Vasconcellos,<br />

que foi deputado geral por Minas, ministro<br />

da Fazenda, da Justiça e do Império e um<br />

exímio jornalista. Esta genealogia mostra<br />

que Salomão de Vasconcellos nasceu em<br />

meio a uma família abastada e de grande<br />

participação na vida política da região e do<br />

Brasil, carregando consigo a mesma<br />

preocupação com a terra natal.<br />

Com 15 anos de idade foi morar em Ouro<br />

Preto na casa do seu tio, Diogo de<br />

Vasconcellos, fato que viria a ser decisivo<br />

na sua carreira enquanto historiador. Em<br />

1899 ingressou na Faculdade de Direito e<br />

se forma no ano de 1903. No ano de 1915<br />

Vasconcellos conclui o curso de medicina,<br />

que lhe rendeu duas medalhas após sua<br />

participação na Primeira Grande Guerra<br />

Mundial (1914-1918). Em 1906 casou-se<br />

com D. Branca Tereza de Carvalho da<br />

tradicional família fluminense do Barão de<br />

Itambi e do Visconde de Itaboraí.<br />

Depois de anos atuando na medicina e no<br />

direito foi nas letras que se reconfortou,<br />

“fazendo-se escritor, agora embalado por<br />

esta outra constante de todo homem culto –<br />

o amor ao passado”. Convidado pelo então<br />

Prefeito de Mariana, Dr. Josafá Macedo<br />

para organizar o arquivo municipal,<br />

Vasconcellos se encantou com o passado e<br />

suas nuances. Após um ano de organização<br />

do arquivo municipal de Mariana,<br />

Vasconcellos foi convidado por Dr. Rodrigo<br />

Melo Franco, então diretor do Patrimônio<br />

Histórico e Artístico Nacional, para<br />

colaborar com as pesquisas do SPHAN.<br />

Além de colaborador, foi também<br />

representante, de 1938 à 1945, do 3°distrito<br />

do SPHAN em Minas Gerais, cargo que<br />

passou a seu filho Sylvio de Vasconcellos.<br />

Foi nessa fase da vida que publicou a maior<br />

parte de suas obras e se filiou a diversas<br />

instituições. Uma importante instituição em<br />

que fizera parte foi o IHGMG, Instituto<br />

Histórico e Geográfico de Minas Gerais,<br />

onde exerceu papel fundamental no<br />

processo de tombamento da cidade de<br />

Mariana como Monumento Nacional, em<br />

1945.<br />

Considerado um grande historiador no<br />

âmbito da História de Minas Gerais, suas<br />

obras são importantes no cenário da<br />

produção historiográfica mineira na primeira<br />

metade do século XX, um tempo marcado<br />

pelo “redescobrimento do Brasil” através da<br />

política do Estado Novo.<br />

M a r c a d o p e l a i n t e n s a d i s c u s s ã o<br />

patrimonial, as obras do Salomão de<br />

Vasconcellos explicitam claramente a<br />

urgência na “patrimonialização” dos<br />

símbolos daquilo que para ele são<br />

essenciais para a formação de uma<br />

identidade – a tradição religiosa, a arte e a<br />

política – e que estavam se perdendo em<br />

meio ao acelerado processo modernizador.<br />

A pedido do prefeito de Mariana, Dr. Josafá<br />

Macedo, Salomão de Vasconcellos<br />

organizou o arquivo da Câmara Municipal<br />

de Mariana, fato que, aliado também à<br />

organização do Arquivo Público Mineiro,<br />

sentiu-se incentivado a escrever suas obras<br />

historiográficas. O incentivo aumentou<br />

quando, Dr. Rodrigo Melo Franco de<br />

Andrade o convidou para ser colaborador e<br />

representante do 3º distrito do SPHAN em<br />

Minas Gerais cargo que ocupou de 1938 a<br />

1945. Apesar de já ter escrito em 1936 sua<br />

primeira obra, que o coloca na discussão<br />

em torno da preocupação com a identidade<br />

e o patrimônio mineiros, foi no período que<br />

esteve no SPHAN que publicou a maioria<br />

delas.<br />

A partir daí, foi ele um grande estudioso do<br />

passado, conhecedor da arte colonial e um<br />

especialista em história de Minas Gerais,<br />

sendo chamado de Mestre por outros<br />

intelectuais. O propósito de suas obras não<br />

era a de um guia de curiosidades, elas<br />

evocavam valor para o conhecimento e para<br />

a arte, com reflexões sobre a identidade<br />

mineira e seu patrimônio.<br />

33

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